Ciência
27/01/2021 às 15:00•4 min de leitura
De acordo com o estudo da demonologia moderna, exorcismo é uma prática para expulsar, por meio de orações deprecativas, uma entidade demoníaca que tenha se apossado do corpo de uma pessoa, porém de forma totalmente espiritual, apesar de ser possível que o corpo físico também seja controlado.
O conceito de exorcismo evoluiu bastante ao longo da história da humanidade: registros históricos apontam que ele teria nascido na Babilônia e no Antigo Egito como uma espécie de “cura sobrenatural”, que poderia ser feita por meio de ervas, de imposição das mãos ou de buracos na cabeça. Os curandeiros xamânicos costumavam abrir pequenos orifícios nos crânios das pessoas que se comportavam de maneira considerada anormal ou “possessa” para liberar o espírito maligno, técnica conhecida como trepanação. Isso porque as civilizações daquela época não faziam distinção entre doenças mentais, corporais e espirituais, já que encaravam o corpo como um vaso em que qualquer coisa poderia ser depositada.
Em 1685, o teólogo Bernard Montfaucon encontrou o primeiro esqueleto com o crânio trepanado enterrado na região de Cocherel, o que levou à descoberta de outros 120 crânios na França, 40 dos quais perfurados pelo método. Um dos mais antigos data de aproximadamente 7 mil anos e foi encontrado em uma sepultura neolítica em Ensisheim, Alsácia (França).
Um dos esqueletos era de um homem que morreu com cerca de 50 anos, de acordo com uma amostra de radiocarbono de seus ossos. Ele tinha duas trepanações: uma na frente, que media 5 centímetros de diâmetro e estava totalmente curada, e outra, de 7 centímetros, que estava parcialmente cicatrizada por causa de seu enorme tamanho. No entanto, ambas indicavam que as operações foram bem-sucedidas.
Trepanação foi cunhada da palavra grega “tripanon”, que significava algo como “fazer um buraco”, e ficou definida como a forma mais antiga de neurocirurgia da humanidade. O anatomista e cirurgião Paul Pierre Broca foi o primeiro a analisar a técnica em 1867, quando recebeu do arqueólogo Ephraim George Squier um antigo crânio inca dado a ele por um rico peruano colecionador de artefatos antigos. Squier queria entender o motivo de um pedaço retangular de osso ter sido removido do topo do crânio.
Ao longo de suas análises, Broca chegou à conclusão de que a abertura era fruto de um procedimento cirúrgico feito enquanto o paciente ainda estava vivo, e que ele poderia ter vivido pelo menos mais 2 anos. Sobre como a trepanação era feita, Broca descobriu alguns métodos, um deles realizado com ferramentas com pontas de pedras afiadas (como a obsidiana e a sílex) e consistia em raspar o crânio até perfurá-lo. Entre pausas para descansar as mãos, o procedimento deveria levar no mínimo 1 hora.
Ele percebeu que, no final da Idade Média, utilizou-se um instrumento parecido com a trefina, que tem uma lâmina cilíndrica e desempenha um papel similar ao de um saca-rolhas, e era muito usada para realizar lobotomias e amplamente descrita por Hipócrates em suas escrituras. Na obra Da Medicina, o médico romano do século I, Aulo Cornélio Celso, descrevia essa ferramenta como tendo um pino central retrátil e uma alça transversal.
Em seus registros sobre o método, Broca não soube dizer se alguma anestesia era usada, mas ele arriscava que os povos antigos fizessem o uso de substâncias parecidas com o ópio e o álcool. Ao longo dos anos, foi sugerido que os peruanos podem ter usado a coca (planta da qual a cocaína é extraída) como anestésico local.
Embora as palavras “trepanação” e “trefinação” agora sejam sinônimas, na história antiga da cirurgia cerebral elas se referiam a procedimentos diferentes. A trepanação consistia em fazer uma perfuração no crânio com ferramentas com pontas de pedras, e a cabeça deveria ser mantida imóvel por uma moldura ou suporte de madeira ao longo da operação. Hipócrates menciona a terebra e o trépano (do grego “trupanon”, o mesmo que “broca”) como dois instrumentos muito semelhantes ao trefino moderno, inventado no século XVI pelo cirurgião Girolamo Fabrizio.
O objeto possuía três braços com pontas de formatos diferentes que podiam ser firmadas no crânio para gerar estabilidade para que a serra fizesse a perfuração e removesse o osso do topo da cabeça. Fabrizio o chamou de “tre fines”, que vem do latim “três pontas”. Depois o nome evoluiu para trafina, trefina e, finalmente, para trépano em 1656.
Ao longo do século XIX, a trepanação foi usada para tratar qualquer problema que envolvesse a cabeça. O procedimento começou a ser questionado pelos conselhos de medicina porque se tornou uma verdadeira epidemia: todo mundo queria ser submetido à trefinação, mesmo quando não apresentava fraturas cranianas, convulsões, ataques epiléticos nem tinha doenças mentais. Isso acontecia porque os médicos usavam o método como tratamento até para dores de cabeça comuns, e a taxa de mortalidade era muito grande, pois os pacientes quase sempre não aguentavam quando tinham a dura-máter penetrada.
A trepanação causava infecção, hemorragia interna e danos cerebrais irreversíveis, deixando uma margem para erros pequena demais para que fosse realizada de maneira tão recorrente e sem propósitos relevantes. Se o paciente sobrevivia aos instantes que precediam a cirurgia, ele estava condenado a sofrer com as feridas sanitárias deixadas no local da trepanação, assim como hiperemia e atividade osteoclástica ao redor do osso necrótico devido à perda de suprimento sanguíneo.
No século XIX, a trepanação deixou de ser realizada em casa e foi transferida para os hospitais, momento em que o índice de mortalidade explodiu, de modo que os médicos e o governo passaram a proibir a prática e permitir que fosse feita só em casos em que a pessoa “tivesse caído de cabeça no chão”.
Demorou até o século XX para que a trepanação ganhasse uma leitura médica mais séria e científica a respeito de como a pressão intracraniana durante episódios de traumatismos cranianos poderia ser minimizada. Até lá, ela se perdeu no mesmo caminho obscuro que a lobotomia, sendo uma prática muito usada em locais como o que Rosemary Kennedy foi enviada para morrer.