Por que o Brasil enfrenta escassez de água?

24/03/2021 às 03:003 min de leitura

Quando se fala em falta d’água no Brasil, todo mundo se lembra das aulas de Geografia na escola: ciclo da água, chuvas, rios correndo para o mar etc. O problema é, porém, bem mais complexo do que isso. Se o país é um dos que apresentam o menor risco de enfrentar escassez de água, é também um dos que arrisca, todos os dias, a cada ano, as chances de se manter assim. Não falta água no Brasil; falta água para brasileiros.

O Brasil, ao contrário do que se pensava, também pode vir a enfrentar escassez de água.O Brasil, ao contrário do que se pensava, também pode vir a enfrentar escassez de água.

“As gerações mais antigas foram criadas com o mito do país riquíssimo em água, que somente faltava água no Nordeste, no semiárido. Obviamente, desde 2013, na primeira crise hídrica pelo qual o país passou, ficou claro que o Sudeste e o Centro-Oeste têm problemas concretos, intensificados nos últimos dois anos, de disponibilidade de água”, disse à Agência Brasil o especialista em Recursos Hídricos da seccional Brasil do World Wide Fund for Nature (WWF-Brasil) Ricardo Novaes.

O abastecimento é de responsabilidade, geograficamente falando, de 12 baías hidrográficas. O problema está em como toda a água que elas escoam atravessam o território nacional, e de que maneira elas chegam (se chegam) às redes de abastecimento.

A falta de água tem ocorrido cada vez mais frequentemente nos grandes centros, afetando não mais somente a periferia.A falta de água tem ocorrido cada vez mais frequentemente nos grandes centros, afetando não mais somente a periferia.

Comprometimento

Um levantamento da Agência Nacional de Águas (ANA) aponta que mais de 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada; aquelas que têm, são servidas por um sistema de abastecimento que desperdiça 37% da água que corre por suas tubulações.

Para piorar o cenário, a falta de saneamento básico e de tratamento de esgoto polui e torna a água imprópria para consumo mais de 110 mil quilômetros de cursos d’água – o que demandaria investimentos, nos próximos 15 anos, de R$ 150 bilhões em coleta e tratamento de resíduos.

“Um objetivo absolutamente fundamental, mas que vai exigir um nível de investimento, comprometimento de agentes públicos e desenvolvimento de tecnologias – mas não estamos vendo energia sendo colocada pra atingir isso. E não adianta você investir em saneamento e ter de buscar água cada vez mais longe, por causa do desmatamento”, apontou Novaes.

Esse índice quantifica a exposição ao risco de conduta empresarial prejudicial em questões ambientais, sociais e de governança (ESG) no país.Esse índice quantifica a exposição ao risco de conduta empresarial prejudicial em questões ambientais, sociais e de governança (ESG) no país.

São duas as principais causas para essa escassez de água no Brasil, e ela é, na verdade, fruto do descaso centenário com as reservas que o país tem. Um mapeamento do Ministério do Meio Ambiente desenhou quais os principais fatores para a falta de água nas principais bacias.

Devastação

Na Região Norte, ela é causada principalmente pela expansão da geração de energia hidrelétrica; nas regiões Sul e Nordeste, o déficit hídrico se dá pela extinção de nascentes; na Região Sudeste, esse último fator se soma à poluição (basta lembramos do Rio Doce, morto pelos dejetos da mineradora Samarco em 2015).

O Rio Doce, morto pelos dejetos da mineradora Samarco.O Rio Doce, morto pelos dejetos da mineradora Samarco.

Mas é na Região Centro-Oeste, onde estão as nascentes dos principais rios do país, que a situação é mais grave. Ali, o avanço da fronteira agrícola já fez desaparecer metade da área desse bioma por conta principalmente da agropecuária, que responde por 70% da água consumida no país.

“Os biomas e ecossistemas brasileiros estão todos interligados. O desmatamento do Cerrado afeta a chuva que cai em São Paulo e não somente as comunidades locais", disse a coordenadora do programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Isabel Figueiredo.

Infraestrutura verde

Uma coisa todos os especialistas concordam: não adianta construir mais reservatórios e sim, lançar mão da chamada “infraestrutura verde”.

“Ao lado dessas grandes obras de concreto e aço, podemos pensar em outro tipo de infraestrutura 'verde e natural': as florestas e a vegetação nativa das margens dos rios e reservatórios que ajudam a reabastecer lençóis freáticos, controlam a erosão do solo, evitam enchentes e garantem mais qualidade à água que abastece nossas cidades”, disse em artigo ao jornal Valor Econômico a diretora-executiva do instituto de pesquisas socioambientais WRI Brasil, Rachel Biderman.

Segundo ela, “é preciso conservar as florestas existentes, recuperar a vegetação nativa e revitalizar as nascentes – ações cruciais para proteger os reservatórios”.

Para o doutor em ecologia Genebaldo Freire, é preciso que tanto governos quanto sociedade entendam que a preservação dos recursos naturais é a preservação da raça humana. “Estamos vivendo uma falha de percepção: dependemos de água pra tudo e qual é o nosso comportamento? Desperdício, consumismo, poluição e desmatamento, e isso tudo numa pressa danada”, disse ele.

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