Artes/cultura
18/08/2021 às 06:30•3 min de leitura
As eleições numa democracia são relativamente simples: a gente vota e os candidatos mais votados ficam com os cargos, não é? Não necessariamente! Isso é verdade para cargos do poder executivo (presidente, governadores e prefeitos) e senadores, eleitos pelo chamado sistema majoritário. Mas quando o assunto são os deputados e vereadores, as regras são bem diferentes: eles são eleitos pelo sistema proporcional.
O sistema proporcional tem regras específicas que são um tanto complicadas, mas o geral é simples de entender. Tudo começa pelo cálculo do quociente eleitoral, que é a divisão do total de votos válidos (isto é, sem brancos ou nulos), pelo número de cadeiras disponíveis.
Depois disso, o número de votos válidos do partido é dividido pelo quociente eleitoral, o que determina quantas cadeiras aquele partido vai conquistar — o quociente partidário. Por fim, os candidatos mais votados dentro daquele partido vão ocupando as vagas que ele conquistou.
Nem sempre o candidato que você votou na urna eletrônica será eleito. (Fonte: IstoÉ Dinheiro/Reprodução)
Suponhamos que as eleições de uma cidade tenham 9 mil votos válidos para nove cadeiras de vereador. Isso dá um quociente eleitoral de mil votos. O partido PA ganhou 4 mil votos, o PB 3 mil e o partido PC 2 mil. O primeiro ganha 4 cadeiras, o segundo 3 e o terceiro 2. Aí, dentro de cada partido, os mais votados ficam com essas quatro, três ou duas cadeiras.
Por isso, um candidato do PB que recebeu 600 votos ficou de fora, enquanto um candidato do PA que recebeu 500 foi eleito. Isso porque o PA teve um “puxador de voto” que recebeu 2500 votos e ajudou na conquista das 4 cadeiras.
Para algumas pessoas, isso parece injusto, mas na verdade não é.
O voto simplesmente majoritário — isto é, mandar apenas os mais votados, sem esses cálculos de quociente eleitoral ou partidário — era uma das propostas do modelo de "distritão", que foi reprovado pela Câmara dos Deputados ontem. Por mais que seja mais simples, esse sistema é bem ruim para as eleições legislativas.
No nosso exemplo acima, pense que o PC lançou 10 candidatos e cada um recebeu cerca de 200 votos. Isso quer dizer que, num modelo majoritário, o partido não faria nenhum vereador e ficaria sem qualquer representação na Câmara, mesmo recebendo muitos votos. Isso parece justo? Aí que está a questão: pelo menos, os votos dos outros candidatos ajudam a eleger uma ou duas pessoas que vão representar as ideias do partido na Câmara.
Da mesma maneira, se o candidato do PA concentrou muitos votos, quer dizer que as ideias do partido são relevantes para a cidade e merecem mais representação na Câmara: assim, PA terá mais vereadores para votar suas propostas nas sessões legislativas.
Em resumo, o objetivo do modelo proporcional é permitir que vários segmentos da sociedade e correntes políticas possam ser representados no poder legislativo, o que é essencial em uma democracia. Claro que isso pode gerar algumas distorções, porém é o modelo mais justo: se o seu candidato favorito não se eleger, pelo menos seu voto ajuda a colocar lá alguém que pode defender as ideias dele.
A apuração pode ser acompanhada ao vivo, por candidatos e partidos, no Tribunal Regional Eleitoral. (Fonte: Gazeta do Povo/Reprodução)
Uma das distorções é a questão dos puxadores de voto, como o artista Tiririca, que recebeu mais de um milhão de votos e levou consigo mais cinco candidatos que ninguém nem sabia quem eram. Por isso, em 2017, foi determinada a cláusula de barreira — isto é, para ficar com uma das cadeiras do partido, o candidato precisa atingir 10% ou mais do quociente eleitoral.
No exemplo que demos antes, o candidato do PA que foi eleito com “menos votos” teve 500, o que é 50% do quociente eleitoral. Então, ele pode ficar com a cadeira. Se ele tivesse menos de 10%, essa cadeira iria para a chamada “distribuição das sobras”, que resolve essas distorções e também lida com as divisões quebradas do quociente eleitoral — quando um partido fica com 2,5 cadeiras, por exemplo.
Com a cláusula de barreira, evita-se que candidatos que não tem absolutamente nada a ver com nada sejam eleitos por puxadores de voto (que, muitas vezes, também não tem nada a ver com o partido e só são chamados para concorrer para puxar votos).
Algumas pessoas podem argumentar que “não vota no partido, mas vota no candidato”. Bom, o candidato está sendo eleito porque defende alguma proposta que tem a ver com as ideias do partido pelo qual ele escolheu se eleger. A gente entende que é um pouco difícil escolher partidos em um país com mais de 30 legendas, mas a ideia das eleições legislativas é votar em propostas e criar bancadas que defendam essas propostas que você acredita. Em vista disso, o sistema proporcional pode ser complicado, mas é o mais coerente.