Artes/cultura
14/07/2022 às 03:00•3 min de leitura
Destruindo a humanidade em ondas desde 541 d.C. a 1665, indo do Império Bizantino até a Grã-Bretanha do século XIX, a Peste Bubônica se tornou uma das epidemias mais mortais e devastadoras de todos os tempos.
Apesar de ter recebido todos os tipos de alcunhas ao longo de seu curso, de Praga de Justiniano a Peste Negra, seu índice de mortalidade sempre foi o mesmo: na casa dos milhares. A capital Constantinopla, atual Istambul, durante o Império Bizantino, perdeu 25% de sua população para a doença que apodrecia os órgãos em dois dias. Entre 1347 e 1351, mais de 25 milhões de pessoas pereceram na Europa, que só teve uma trégua após a última onda, na metade de 1600, quando 10% da população foi dizimada dessa vez.
(Fonte: History/Reprodução)
A praga mudou todos os aspectos da história europeia, inclusive seu curso, do fim do sistema de servidão ao novo maquinário de trabalho que deu os primeiros passos para a era moderna, além de ter sido a responsável por promover o pioneirismo nos primeiros métodos de prevenção contra uma epidemia — ainda que fossem delirantes, como se esconder em esgotos.
Foi pensando em identificar esse mal da humanidade que ameaçava até mesmo a modernidade, que os bacteriologistas Kitasato Shibasaburo e Alexander Yersin foram convocados em 1894.
Alexandre Yersin. (Fonte: Wikipedia/Reprodução)
Apesar de ter reduzido em escala global, a praga ainda assolava o mundo em 1850, quando existia mais de 2,5 bilhões de pessoas. Consequentemente, o aumento do transporte em toda escala, aumentou o risco de contato com pulgas infectadas pela peste, causando uma pandemia que alcançou até a China, começando em Yunnan, em 1855, durante o quinto ano do império de Xianfeng, da dinastia Qing.
É, no mínimo irônico, imaginar que Alexandre Yersin nascia na Suíça, em 22 de setembro de 1863, quando a peste ainda acontecia na China, e que ele seria convocado 30 anos mais tarde para tentar identificar o agente causador da doença.
(Fonte: Revista Pesquisa Fapesp/Reprodução)
Yersin teve uma trajetória marcada por nomes célebres até terminar com um microscópio e uma autoclave, em condições precárias de trabalho, em uma cabana de palha, em meio a terceira epidemia da peste em Hong Kong, em 1894, como parte da missão proposta pelo Instituto Pasteur, que abria filiais pelo mundo.
Ele estudou medicina na Suíça e na França, adquirindo dupla cidadania, se formou doutor apresentando uma tese sobre o desenvolvimento da tuberculose; estagiou com Robert Koch; e integrou o recém-formado Instituto Pasteur, em 1889, como colaborador de Emile Roux, ajudando a desenvolver o soro antirábico. E foi seu extenso trabalho médico por toda a Ásia que o levou até Hong Kong e à peste, em 15 de junho de 1894.
Shibasaburo Kitasato. (Fonte: Britannica/Reprodução)
Três dias antes de Yersin, o doutor e bacteriologista Shibasaburo Kitasato, nascido em 29 de janeiro de 1853, no Japão, desembarcou em Hong Kong para a mesma missão proposta ao outro médico. Ele não só tinha a vantagem inicial de ter chegado antes, como uma equipe grande excelente e contatos sólidos com o governo devido a sua carreira.
Formado pela Universidade de Tóquio e fundador do Instituto de Estudos de Doenças Infecciosas no Japão, Kitasato havia estudado com o alemão Koch, e seus trabalhos já haviam sido inspecionados e usados como referência por vários estudiosos; tornando-o famoso por ter isolado bacilos importantes, como o causador do tétano, do antraz, e também da disenteria; além da antitoxina da difteria com Emil Von Behring, em 1890.
Devido a todo o peso associado ao seu nome, o médico teve muita facilidade no acesso a espécimes contaminados pela peste e equipamentos sofisticados para que pudesse trabalhar e descobrir de onde aquela praga, literalmente, vinha; enquanto Yersin e seu assistente tiveram que construir até o próprio espaço para trabalhar e dormir.
(Fonte: Transmissible/Reprodução)
Apesar de todos os fatores estarem contra ele, Yersin acabou descobrindo que só possuía uma vantagem: a bactéria da peste se desenvolve melhor em temperaturas mais baixas, portanto, sua cabana de palha construída à mão, sem nenhuma proteção, se tornou, ironicamente, o local perfeito para a cultura da doença — o que também significava que ele enfrentava cara a cara a possibilidade de infecção.
O médico suíço descobriu isso por acaso, colocando as mãos no mesmo tecido contaminado que Kitasato, em um ambiente quase inóspito, mas favorável à doença.
(Fonte: BBC/Reprodução)
Muito embora toda essa corrida silenciosa em prol da ciência, em que nenhum dos dois sabia da existência ou do trabalho do outro, se provando a disputa mais importante de todos os tempos, — Kitasato acabou descobrindo a bactéria responsável pela Peste Bubônica exatamente no mesmo dia em que Yersin desembarcava em Hong Kong.
O bacilo foi descrito como pares redondos de bactérias, chamadas Coco, que apareciam com forma arredondada em amostras de sangue, mas adquiriam o formato de bastonete quando apareciam no tecido dos gânglios linfáticos, também conhecidos como bubões — por isso o nome "bubônica".
Em 20 de junho daquele ano, Yersin lançou seu trabalho, onde descreveu o agente causador da peste como um micróbio em forma de bastonete que não retém o corante violeta de genciana no processo de coloração Gram, se enquadrando como uma bactéria Gram-negativa.
(Fonte: The Conversation/Reprodução)
Ainda que o poderio médico tenha vibrado por finalmente a ciência ter chegado a uma conclusão, os especialistas não conseguiram decifrar algumas das observações e imagens apresentadas na pesquisa de Kitasato, que parecia ter se confundido entre dois tipos de organismos diferentes: a peste e uma bactéria causadora da pneumonia.
Portanto, após o frenesi de empolgação, a tensão se instaurou para decidir quem deveria receber o devido crédito pela descoberta que mudou a história da ciência. Os membros da comunidade médica optaram por atribuir o mérito ao trabalho de Yersin — de onde foi cunhando o nome Yersinia Pestis —, mas sem descartar a contribuição valiosa feita por Kitasato.