Artes/cultura
20/11/2022 às 09:00•2 min de leitura
Há cerca de 6 mil anos, um grupo de pastores recolheu suas ovelhas em uma caverna no norte da África — mais especificamente em Uan Muhuggiag, no Saara da atual Líbia — para passar a noite. Tudo o que se sabe sobre a estadia é baseado no que foi encontrado por arqueólogos, milênios mais tarde.
O grupo provavelmente estava se alimentando de melancias não domesticadas, com a polpa amarga, mas com sementes saborosas. O principal indício disso é que no local, as poucas sementes fossilizadas encontradas não foram cuspidas, mas caíram sem que os pastores tivessem percebido.
(Fonte: Shutterstock)
Encontrar restos de alimentos neste local específico só foi possível devido ao ar seco e salgado da caverna, que preservou os restos esquecidos ou deixados pelos pastores. Para entender o que fazia das sementes daquela antiga melancia tão especiais, uma equipe de cientistas sequenciou o DNA de uma delas — o código genético mais antigo recuperado de uma planta.
O genoma revelou que as sementes pertenciam a uma melancia selvagem, que provavelmente tinha a polpa amarga. O que a equipe de arqueólogos acredita é que os antigos saarianos consumiam as sementes de melancia muito antes de a fruta evoluir para a doce e domesticada que temos atualmente (Citrullus lanatus).
(Fonte: Christie Images LTD 2015/Reprodução)
Para eles, os restos de plantas — como as sementes de melancia — fornecem informações sobre dietas e estilos de vida das sociedades passadas. Um dos estudos feitos com as sementes consistia em digitalizá-las com raios-X de alta resolução. Foi com essas imagens detalhadas que a equipe descobriu rachaduras nas sementes, sugerindo que elas haviam sido mordidas por dentes humanos.
Os estudos genéticos com estas sementes revelaram que elas vieram de uma melancia sem as mutações-chave para a doçura e para a cor vermelha. Era, com certeza, uma fruta muito diferente da que nós consumimos atualmente, com um interior amargo e branco.
(Fonte: Shutterstock)
Com todas essas informações, é plausível admitir que os saarianos mastigavam essas sementes. Porém, o destino da polpa é incerto. Eles poderiam descartar o material de gosto ruim, usar para alimentar o gado ou para cozinhar algum tipo de ensopado.
Porém, até o momento, os arqueólogos não encontraram vestígios de polpa da fruta — que poderiam ter sido preservados em panelas ou presos no tártaro dos dentes. Os estudos genéticos também procuraram cruzar o DNA de sementes de melancias encontradas em outros lugares da África, para tentar entender como a fruta evoluiu para a que temos hoje.
Até o momento, os resultados apenas conseguiram documentar a diversidade perdida de plantas de melancia usadas para alimentação durante alguns milhares de anos. Também é possível inferir que os primeiros cultivadores parecem ter trabalhado com tipos doces e amargos da fruta, bem como com o cruzamentos entre espécies da planta.
O próximo passo é tentar entender em que momento as várias espécies de melancia começaram a deixar de existir. Além disso, enquanto não forem encontrados os vestígios de polpa da melancia de Uan Muhuggiag, o seu destino continuará sendo um mistério.