Como o quarto branco se tornou um dos piores métodos de tortura

07/05/2023 às 05:003 min de leitura

Um quarto branco de cima a baixo, com móveis e até a luz branca como de um necrotério, construído para ser um ambiente hermeticamente isolado até do mínimo ruído externo. O quarto branco da tortura, também conhecido como "tortura branca", é um método de tortura psicológica em que presos são submetidos a confinamento solitário por um longo período, com intuito de, ao produzir uma privação sensorial dos sentidos, infiltrar a identidade da vítima e influenciar sua personalidade a longo prazo.

Em 2004, o mundo confrontou esse brutal método por meio do iraniano Amir Fakhravar, que contou sua experiência à CNN após passar pelo procedimento no Irã ao longo de 8 meses até ser solto e conseguir fugir para os Estados Unidos. Há anos que a República Islâmica usa do quarto branco para torturar cristão, bahá’ís, jornalistas, mulheres e ativistas dos direitos humanos e civis.

Mas isso não é tudo. Historicamente, o branco foi constantemente associado à loucura em contextos psiquiátricos, no lugar de qualquer outro tipo de cor, de forma tão forte que acabou se infiltrando na cultura popular. Mas será que realmente é eficaz?

Quebrando a identidade

(Fonte: Arch Daily/Reprodução)(Fonte: American Zoetrope/George Lucas/Reprodução)

Em seu livro A Organização do Comportamento (1949), o psicólogo canadense Donald Hebb mostrou que os universitários que deveriam aguentar seis semanas de confinamento em um local com privação total dos sentidos, só aguentaram alguns dias. Quase todos afirmaram que a coisa mais notável sobre a experiência foi a incapacidade de pensar claramente sobre qualquer coisa. Ao saírem do isolamento e serem submetidos a testes cognitivos, os dados indicaram que eles foram momentaneamente deficientes mentais.

As pesquisadoras Dipankar Maiti e Victoria Sarvand, em seu estudo 'White Room Torture' A Sensory Denial Method which Obliterates All Sense of Realism, ilustraram que as pessoas colocadas em isolamento total por uma semana apresentam transpiração, palpitações cardíacas, estresse, vertigem, perda do raciocínio lógico, alucinações, ansiedade, ataques de pânico, novos padrões de sono, inflamações pelo corpo, fadiga, dores abdominais e extrema sensibilidade ocular.

É a partir do primeiro mês de isolamento que a mente começa a declinar para os pensamentos suicidas, passando para psicose e perda da identidade após 3 anos, sendo a insanidade total alcançada em 20 anos de isolamento.

Getty Images(Fonte: Getty Images)

A eficácia do branco usado para tortura está no aprofundamento do método, pois impede que a vítima tenha no que ancorar a noção de dia e noite, provocando insônia e perturbando os ritmos biológicos naturais.

A privação do sono já é uma técnica de tortura eficaz por si só, mas quando associada a um ambiente sem estímulos que impede isso, torna-se devastadora, porque o cérebro humano começa a enviar todos os tipos de alucinações para tentar fazer sentido do ambiente ao redor. As superfícies lisas e monocromáticas que revestem o quarto impedem que o cérebro tenha qualquer referência espacial, resultando em um intenso sentimento de desorientação.

Além disso, a perda da noção de profundidade pode fazer a vítima experimentar episódios visuais de distorção, como paredes que parecem se aproximar ou se afastar, sendo mais efetivo e diminuindo o espaço que uma pessoa levaria para pensar no pior para dar um fim àquela experiência.

"Eu não era mais uma pessoa normal"

Voice of AmericaAmir Fakhravar. (Fonte: Voice of America/Wikimedia Commons)

A tortura branca ficou mundialmente conhecida durante uma coletiva de imprensa em 2004, quando o iraniano Amir Fakhravar contou sua experiência após ser preso pelo governo do Irã. “Não vimos nenhuma cor, toda a cela era branca, o chão era branco, nossas roupas eram brancas e a luz, durante 24 horas, era branca”, revelou ele em entrevista à CNN. “Nossa comida também era arroz branco. Não podíamos ver nenhuma cor e nem ouvir vozes”.

A vítima também revelou que se os prisioneiros quisessem usar o banheiro, os guardas passavam um rolo de papel higiênico branco por uma abertura sob a porta, depois os conduziam vestindo roupas equipadas para abafar qualquer som externo.

Essa foi a rotina de Fakhravar por oito meses de solitária, e ele sentiu os efeitos na pele quando foi liberto: não conseguia lembrar nem dos rostos de seus pais. “Quando eles me libertaram daquela prisão, eu não era mais uma pessoa normal”, afirmou ele.

(Fonte: Fact Republic/Reprodução)(Fonte: Gregor Schneider/Reprodução)

Para Mansour Borji, diretor de defesa da Article18, que visa apoiar cristãos perseguidos no Irã, as pessoas não respondem da mesma maneira à exposição a um evento traumático como o quarto branco, porém, vários sintomas físicos e mentais são comuns em graus variados.

É psicologicamente que as vítimas são afetadas de maneira mais profunda, sendo que muitas daquelas entrevistadas por ele ao longo de sua carreira se queixaram de transtornos de ansiedade, fobia, medos persistentes e extremos, frustração, episódios depressivos, paranoia e ceticismo. Um dos problemas mais comuns entre os prisioneiros da tortura branca foi o distúrbio do sono. Além disso, eles testemunham pesadelos constantes e paralisantes, nos quais relembram os eventos traumáticos e os vivenciam várias vezes.

A prisão de Evin, situada no Teerã, uma penitenciária política desde 1972, é, no momento, considerada a líder em usar quartos brancos como método de tortura para que seus prisioneiros assinem confissões ou passem informações importantes.

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