Artes/cultura
30/07/2023 às 13:00•3 min de leitura
Enquanto observava a formação da primeira nuvem cogumelo nuclear sobre o deserto de Jornada del Muerto, no Novo México, o físico J. Robert Oppenheimer disse a si mesmo: "Agora eu me tornei a Morte, o destruidor de mundos".
Essa famosa citação, retirada de um antigo texto hindu chamado Bhagavad-Gita, traz uma questão relevante, porém frequentemente negligenciada: por que Oppenheimer e seus colegas concordaram em criar uma arma que, além de acabar com a vida de centenas de milhares de cidadãos japoneses, poderia, um dia, extinguir toda a vida na Terra?
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Dentre os cerca de 130 mil indivíduos envolvidos no Projeto Manhattan, a grande maioria não fazia ideia do que estava realmente construindo. Como trabalhadores em uma linha de montagem, eles executavam suas tarefas especializadas sem jamais imaginar o quadro geral. Mas, aqueles que tiveram essa visão, possuíam suas próprias razões para continuar a empreitada.
Bomba atômica Little Boy, lançada sobre Hiroshima, no Japão, em 1945. (Fonte: MPI/Getty Images)
Alguns envolvidos eram motivados pelo dinheiro — já que os salários do projeto eram supostamente superiores à média. Outros agiam por patriotismo, buscando vingança pelas vidas perdidas em Pearl Harbor. Havia, ainda, aqueles movidos pela curiosidade científica. O químico Glenn Seaborg, que chefiava a divisão de plutônio, atraía novos recrutas ao afirmar: '"Estamos trabalhando em algo mais importante do que a descoberta da eletricidade'". Essa declaração quase sempre os deixava empolgados para fazer parte do projeto.
Precisamos dar um ênfase ao termo "quase", pois alguns poucos cientistas consideraram que as promessas de fama e fortuna não valiam o custo moral envolvido. Quando abordada para participar do Projeto Manhattan, Lise Meitner, uma física austríaca creditada com a descoberta da fissão nuclear, respondeu: "Eu não quero ter nada a ver com uma bomba".
Ao lado dela, estavam o físico italiano Franco Rasetti, colaborador de longa data de Enrico Fermi, e o vencedor do Prêmio Nobel, Isidor Rabi. Embora Rabi tenha se recusado a se tornar vice-diretor de todo o projeto, aceitou ser consultor em uma capacidade limitada.
Los Alamos. (Fonte: Wikimedia Commons)
Alguns cientistas se juntaram ao Projeto Manhattan inicialmente, mas depois se opuseram quando entenderam o seu potencial destrutivo. Um exemplo é o físico polonês-britânico Joseph Rotblat, que chegou ao laboratório de Los Alamos em 1944 para liderar a divisão teórica, mas abandonou o projeto ainda no mesmo ano.
Isso aconteceu quando os cientistas descobriram que a Alemanha nazista estava longe de desenvolver sua própria bomba atômica – preocupação essa que foi uma das principais razões para a criação do Projeto Manhattan. Rotblat chegou a enfrentar acusações de espionagem soviética por muito tempo, e só foi autorizado a retornar aos Estados Unidos em 1964. No entanto, tais acusações não o impediram de continuar sua cruzada antinuclear. Em 1993, ele publicou um livro defendendo a desativação de todas as armas de destruição em massa do planeta.
(Fonte: Hulton Archive/Getty Images)
Leo Szilard, um cientista húngaro-americano, foi mais um dos que acabaram se arrependendo do tempo que passou em Los Alamos. Ele foi uma das pessoas, juntamente com Albert Einstein, que ajudou a dar início ao Projeto Manhattan. Em 1945, Szilard percorreu diversos departamentos coletando assinaturas para uma petição que tinha o objetivo de persuadir o presidente Harry Truman a não lançar suas terríveis criações sobre Hiroshima e Nagasaki.
A petição, assinada por mais de 70 especialistas, argumentava que, embora fosse necessário concluir rapidamente a Segunda Guerra Mundial com sucesso, qualquer ataque ao Japão não poderia ser justificado até que o país tivesse a oportunidade de se render. Além disso, os assinantes da petição acreditavam que os Estados Unidos, como a primeira nação a possuir armas nucleares, deveriam dar o exemplo ao restante do mundo e se abster de utilizá-las.
(Fonte: Hulton Archive/Getty Images)
Com sua petição, Szilard criou uma inimizade com o governo federal, militares e Oppenheimer, que assegurou que nenhum dos cientistas no laboratório de Los Alamos tivesse a oportunidade de assinar o documento. Oppenheimer acreditava que não havia sentido em desenvolver algo que nunca seria testado.
Durante seu discurso de despedida em 1945, ele afirmou: "Se você é um cientista, não pode impedir uma coisa assim. Se você é um cientista, acredita que é importante descobrir como o mundo funciona; que é importante descobrir quais são as realidades; que é importante entregar à humanidade o maior poder possível para controlar o mundo e lidar com ele de acordo com suas próprias ideias e valores."
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Mais tarde na vida, J. Robert Oppenheimer experimentou uma mudança de opinião e passou a se opor ao surgimento das bombas de hidrogênio, alegando que eram ainda mais devastadoras do que as bombas atômicas. No entanto, seus apelos, assim como os de seus colegas anteriores, vieram tarde demais. Rotblat não conseguiu persuadir os líderes mundiais a concordarem com um desarmamento nuclear global e a petição de Szilard nunca chegou a Truman — o Secretário de Estado, James F. Byrnes, recusou-se a mostrá-la a ele.
E, assim, Hiroshima e Nagasaki foram consumidas pela fumaça e radiação.