Psicanálise é pseudociência? Livro reacende a polêmica sobre a teoria

08/08/2023 às 08:003 min de leitura

Recentemente, o lançamento do livro Que bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério, dos pesquisadores Natalia Pasternak e Carlos Orsi, levantou bastante polêmica por conta de algumas afirmações. E uma delas é a descrição da psicanálise como "pseudociência".

A colocação joga luz a uma discussão antiga, que diz respeito ao debate em torno do trabalho de Sigmund Freud, o fundador da psicanálise. Ao longo da história, há quem tenha categorizado a sua teoria de pseudocientífica e os que defenderam que os efeitos da psicanálise podem ser verificados empiricamente. Vejamos neste texto as diferentes visões sobre este tema.

O que é a psicanálise?

(Fonte: GettyImages)(Fonte: GettyImages)

A psicanálise é um campo de estudo da mente oriunda dos estudos do psiquiatra suíço Sigmund Freud, no século XIX. Ela foi desenvolvida de forma independente à psicologia (ou seja, um psicanalista não precisa necessariamente ser um psicólogo).

Este campo tem como base o trabalho com o inconsciente, a parte de nossa mente que opera de modo "automático", de modo que não é possível controlá-lo. É neste "espaço" que ficam guardados memórias, impulsos e desejos reprimidos que, por vezes, interferem na nossa vida e em nossas ações sem que tenhamos consciência disso.

Freud acreditava que uma boa parte das nossas memórias da infância ficava armazenada no inconsciente, moldando a nossa personalidade e causando influência na nossa vida, mesmo depois da chegada da idade adulta. Por isso, a psicanálise se utilizaria de métodos específicos para que se pudesse "penetrar", por meio da linguagem, neste lado mais inacessível da mente, de modo a conseguir entender e agir sobre aquilo que nos causa sofrimento.

O psiquiatra suíço entendia a psicanálise como uma ciência natural, mas, ao mesmo tempo, definia-se, com certo humor, não como um homem da ciência, mas como "um conquistador, um aventureiro". 

Por conta disso, sua teoria encontrou vários críticos. O filósofo austríaco Karl Popper, por exemplo, postulou que a psicanálise seria uma pseudociência pois suas hipóteses não poderiam ser refutadas por métodos empíricos (ou seja, por experimentos feitos com bases científicas). 

Assim, para este pensador, ela estaria perto da superstição. Popper acreditava que a psicanálise podia ser usada para explicar a forma como uma pessoa se comporta sem dar margem a qualquer tipo de refutação, uma vez que não haveria formas de testá-la ou comprová-la.

Um fator que também conspiraria em prol dessa concepção pseudocientífica é o fato de que as teorias de Freud nunca chegaram a ser contestadas ou desmentidas pelos estudiosos da psicanálise, quase como se ela estivesse protegida de qualquer crítica.

Outros estudiosos — oriundos tanto das Ciências Naturais quanto Humanas — também defenderam a pseudocientificidade da psicanálise. Dentre eles, estão o psicólogo Steven Pinker, o linguista Noam Chomsky e o físico Richard Feynman.

A defesa do caráter científico da psicanálise

(Fonte: GettyImages)(Fonte: GettyImages)

Mas há também os pensadores que defendem outra visão, que estende os critérios científicos para além dos parâmetros postulados historicamente pelas Ciências Naturais. É o caso do psicanalista e professor de Psicologia da USP Cristian Dunker. Segundo ele, a psicanálise até pode não se enquadrar no conceito de ciência específico tratado por Pasternak e Orsi — mas isso se deve ao próprio conceito, que estaria repleto de contradições e problemas.

"Temos evidências, participamos do debate científico, estamos na história da ciência. E pelas evidências e pesquisas que a gente dispõe, a psicanálise não é uma pseudociência", afirmou Dunker em matéria do portal Terra.

Há estudiosos que seguem a mesma linha, dizendo que, mesmo que a psicanálise não siga o mesmo padrão de cientificidade de tratamentos médicos tradicionais, ela seria capaz de atingir níveis profundos da psique que outros métodos não conseguem. 

"Precisamos de uma ampla variedade de opções de tratamento para atender à enorme heterogeneidade da população humana e seus vários sintomas, e indiscutivelmente a psicanálise é uma opção útil", afirma a psicóloga clínica Anna Järvinen, em artigo na revista britânica The Skeptic.

Assim, o próprio conceito de ciência precisaria ser encarado de maneira menos uniforme e engessado. "A própria concepção da ciência vai variar ao longo da história. O ataque à psicanálise é pautado num modelo de evidência científica estritamente de ordem empírica, demonstrável em termos de observação laboratorial. A ideia de empiria também está ligada nesse contexto a algo que podemos mostrar em termos físicos, ou seja, a evidência é de ordem material", explica o psicanalista e professor da UFPE Érico Andrade, em entrevista à BBC.

Deste modo, invalidar a psicanálise como ciência também pode equivaler a desacreditar muitos outros métodos usados para a produção de conhecimento nas Ciências Humanas, uma vez que estas áreas — como, por exemplo, os estudos da Linguagem, da Comunicação, da Psicologia, da Filosofia, entre várias outras — não podem ser avaliadas pelos mesmos parâmetros empíricos usados, por exemplo, em um experimento executado na área da Saúde.

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