Morcegos-vampiros portadores da raiva ameaçam a saúde humana

17/11/2023 às 14:004 min de leitura

Se a Índia enfrenta atualmente o quarto surto de infecção pelo vírus Nipah, conhecido por causar um quadro agudo intratável e mortal de encefalite febril, é culpa do excesso de interação do homem com animais contaminados. As condições que favorecem o contato humano com alimento ou água contaminada por excrementos desses animais envolve a destruição de florestas, do seu habitat natural e das mudanças climáticas, associadas à expansão desenfreada da agricultura que, ao desmatar para a criação de plantações, altera os padrões de uso da terra e causa ondas migratórias dos morcegos para mais perto dos humanos e de outros animais, como o gado ou os suínos.

Desde a segunda metade do século XX, quando aconteceram os surtos de doenças mais relevantes dos tempos modernos, os humanos nunca estiveram tão próximos de patógenos e doenças zoonóticas de outras espécies. Agora, o morcego-vampiro, transmissor da raiva, está cada vez mais próximo das áreas urbanas.

Paciente zero

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

No final de julho de 2010, um jovem migrante de 19 anos foi hospitalizado em Louisiana com um quadro de inflamação cerebral, pouco depois de chegar aos EUA vindo do México, como notificou o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) em seu Relatório Semanal de Morbidade e Mortalidade.

Ele chegou a trabalhar por um dia em uma plantação de cana-de-açúcar antes de procurar atendimento médico se queixando de fadiga, dor no ombro esquerdo e dormência na mão esquerda. A princípio, os sintomas foram atribuídos ao excesso de esforço físico, mas os sintomas prevaleceram e ele acabou sendo encaminhado para um hospital em Nova Orleans. Lá, os exames revelaram hipersensibilidade do ombro esquerdo, fraqueza da mão esquerda, reflexos hipoativos e queda da pálpebra esquerda. Tudo levava os médicos a suspeitaram da síndrome de Guillain-Barré, em que o sistema imunológico do corpo ataca os nervos; e de meningite, uma inflamação nas membranas que cobrem o cérebro.

No entanto, à medida que o estado do paciente foi se deteriorando, os médicos começaram a suspeitar de que ele havia contraído raiva. Em 20 de agosto, o diagnóstico foi confirmado por meio de exames. No dia seguinte, o paciente estava morto. A autópsia e os testes revelaram que ele havia sido infectado pelo vírus da raiva transmitido por morcegos hematófagos, mais conhecidos como morcegos-vampiro.

Ao CDC, a mãe do jovem disse que ele havia sido mordido por um morcego em julho no México, mas não procurou tratamento. Apesar de os morcegos serem a principal fonte de raiva humana, essa foi a primeira morte relatada por um vírus da raiva transmitido por morcegos-vampiros nos EUA.

A origem dos morcegos-vampiros

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Por meio do vírus do gênero Lyssavirus, responsável por causar uma encefalomielite aguda, a raiva provavelmente se originou em três tipos de morcegos-vampiros da subfamília Desmodontinae da família Phyllostomidae: o Desmodus rotundus (morcego-vampiro-comum), Diphylla ecaudata (morcego-vampiro-de-pernas-peludas) e Diaemus youngi (morcego-vampiro-de-asas-brancas). Todas as três espécies são mais comuns nas regiões neotropicais, como o Brasil e o Chile.

As teorias concordam que esses morcegos, que são reservatórios confirmados para 14 das 16 espécies virais conhecidas da raiva, são frutos do Velho Mundo. Está por todo planeta o lissavírus da raiva (RABLV) encontrado em cães, mas aquele associado aos morcegos só é encontrado na América Latina. Estudos filogenéticos baseados na diversidade existente de RABLV em morcegos e gambás no Novo Mundo sugerem que a presença da raiva no hemisfério ocidental é anterior ao início das viagens transoceânicas europeias do século XV.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Os primeiros achados arqueológicos indicam que cães asiáticos trazidos por humanos colonizaram o hemisfério ocidental de 8 a 10 mil anos atrás, sendo que as culturas americanas pré-colombianas frequentemente retratavam morcegos e cães em códices e monólitos. No início do século XVI, documentos publicados por colonizadores espanhóis, como Petrus Martyr D’Aghera e Francisco Montejo, indicam a presença de raiva associada a morcegos-vampiros nas Américas. Em suas narrativas, eles discutem como as pessoas e o gado eram furiosamente atacados por morcegos sugadores de sangue assim que o sol se punha, e como frequentemente esses ataques resultavam em morte.

Os morcegos-vampiros vivem em colônias em lugares isolados, completamente escuros, como cavernas, poços antigos, árvores ocas e edifícios abandonados; em regiões áridas a úmidas, tropicais a subtropicais. O aquecimento global e a destruição do seu habitat pelo avanço da agricultura têm mudado isso cada vez mais. O relatório do CDC observou que o vírus da raiva de morcegos tem sido associado à maioria dos casos de raiva humana adquiridos nos EUA nas últimas duas décadas.

Um problema necessário

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Acredita-se que em 20 anos, haverá um deslocamento massivo do Desmodus rotundus em direção ao sul dos EUA, como indicou um novo estudo publicado na revista Ecography, que relaciona a expansão gradual dos morcegos-vampiros para o hemisfério norte e as mudanças climáticas dos últimos 100 anos.

O problema disso é que, conforme o território do morcego se espalha, também aumenta a variante da raiva que ele carrega. Por um lado, a raiva ajuda a controlar a quantidade de morcegos, beneficiando o ecossistema em geral ao reduzir as populações de 10% a 80%, mas isso significa também que ela nunca os elimina, tampouco desaparece. E piora, pois isso significa que o vírus se espalha para animais domésticos e depois para os humanos.

Apesar de os morcegos morderem apenas quando se sentem ameaçados, o contato com a raiva que transmitem se tornou uma questão para os humanos, visto que os morcegos podem se alimentar do sangue de outros animais. Sua vítima habitual costuma ser o gado, que o setor da pecuária facilita seu contato ao invadir territórios para fazer de pastagem. Alguns especialistas, como o biólogo Toni Piaggio, do Centro Nacional de Pesquisa da Vida Selvagem do Departamento de Agricultura dos EUA, acreditam que os morcegos-vampiros conseguiram sobreviver em áreas onde não conseguiam porque os humanos colocaram gados demais. Essa proximidade aumenta o risco de humanos sendo expostos à raiva por meio do contato direto com o gado infectado.

Um relatório de 2020 do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) aponta que a raiva dos morcegos custa à indústria pecuária mais de US$ 46,7 milhões por ano. Segundo um relatório divulgado em setembro, desde 2016, as autoridades inspecionaram mais de 500 mil bovinos em vendas de gado e fazendas leiteiras nas áreas mais propensas a terem populações de morcegos-vampiros. Até o momento, nenhuma mordida foi encontrada. Desde então, o USDA realiza uma campanha em ambos os lados da fronteira para educar os pecuaristas sobre como detectar picadas e sinais de raiva em seu gado.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Mas nada adianta se a indústria continuar avançando para estreitar os laços entre os morcegos-vampiros, os animais à espera do abate e os humanos. Alguns governos acreditam que vão parar a disseminação da raiva usando veneno para abater os morcegos ou até mesmo vaciná-los contra a doença. A vacina pode significar que haverá mais deles, porque a raiva não diminuirá suas populações. E mesmo que não contraiam, ainda poderão transmitir outras doenças.

Apesar de os morcegos-vampiros não estarem ameaçados de extinção, outras espécies estão, como os morcegos que comem mosquitos e outras pragas agrícolas, ou atuam como polinizadores e espalhadores de sementes. A vacinação de uma espécie pode significar o declínio de outra, desestabilizando o ciclo do ecossistema.

“Os morcegos-vampiros têm um papel importante, quer representem um risco para a saúde humana ou não”, diz Piaggio à Wired. “Se nos livrássemos de tudo o que representa um risco para a saúde humana, não sobraria nada.”

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