Artes/cultura
06/02/2024 às 13:00•3 min de leitura
Localizada na costa noroeste da ilha de Java, na Indonésia, a cidade de Jacarta está afundando com sua população de 10,56 milhões de habitantes, conforme o Censo de 2020 da Indonésia. Veneza está afundando, bem como Bangkok, Nova York, Roterdã, a Cidade do México e Tianjin. No entanto, atualmente, nada se compara ao índice de emergência de Jacarta.
A segunda maior metrópole do mundo sofre da história mais antiga de todos os tempos: a exploração. Um em cada três jacarteses não tem acesso à água encanada, que alcança apenas 64% de sua população total. Não é à toa que a cidade reivindica a maior economia do Sudeste Asiático, se expandindo em um centro internacional nos últimos 30 anos, com altas taxas de crescimento populacional que aumentou sua dependência de fontes de água subterrânea.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Como resultado, os moradores de comunidades rurais e assentamentos informais em áreas urbanas, as famosas favelas, lutando com a falta de infraestrutura e saúde precária, foram forçados a cavar milhares de poços ilegais ao longo da cidade, esgotando os aquíferos e causando um enfraquecimento do solo.
A conversão extensiva do uso da terra, a superexploração das águas subterrâneas e a interrupção da principal função ecológica das bacias hidrográficas para recarga de águas subterrâneas, criaram condições privilegias para que a cidade de Jacarta afundasse quase cinco metros em direção ao mar de Java.
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Um artigo feito por três pesquisadores da Universidade de Tóquio apontou que a captação excessiva de água pelos jacarteses em situação de vulnerabilidade levou à intrusão de água do mar na região norte da cidade. Descobriram isso porque 80% das amostras de águas dos poços nas bacias de águas subterrâneas do norte de Jacarta são consideradas impróprias para consumo devido à alta salinidade. Para piorar, os mananciais de água bruta também têm sido contaminados por poluentes antrópicos que entram nos corpos hídricos, uma vez que apenas 4% da população da cidade possui acesso a esgoto adequado. Ou seja, essa condição indica que as águas subterrâneas de Jacarta são um atentado à saúde de sua população.
A capital da Indonésia tem até 2030 para descobrir uma solução para o seu afundamento, caso contrário, os especialistas acreditam que será tarde demais. Como forma de consertar o crescimento econômico que não foi distribuído uniformemente pelas cinco regiões administrativas da cidade, o governo contratou a empresa PT Air Bersih Jakarta (ABJ), do bilionário Cue Anthoni Salim, para expandir o acesso à água encanada para os quase 11 milhões de habitantes.
Se a ABJ conseguir cumprir o proposto de encerrar as atividades ilícitas de extração de água para consumo com seu empreendimento, que custará US$ 1,7 bilhões, entre estação de tratamento, dutos e conexões; Jacarta terá uma chance – e a empresa de Salim arrecadará bilhões de dólares. Caso contrário, é possível que testemunhemos o maior êxodo do século XXI, porque nada parará as consequências do afundamento incontrolável da cidade, combinada com a intensificação das tempestades e o aumento do nível do mar. Nenhum paredão erguido pelo governo será páreo.
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Com cerca de 90% da água do mundo sendo de propriedade pública, Jacarta é uma das poucas cidades a envolver o setor privado em seus sistemas de água, e isso acontece porque a cidade não tem dinheiro suficiente para geri-lo sozinha.
Seu parceiro privado não apenas investe mais capital como ajuda a operar as estações de tratamento, também sofrendo com os problemas logísticos intrínsecos de Jacarta. A cidade precisa comprar a maior parte de sua água bruta, uma vez que suas águas superficiais são contaminadas por esgoto. Com isso, ela é tratada e depois distribuída por meio de uma rede de tubos, alguns dos quais têm mais de 100 anos.
Estima-se que pelo menos 40% da água é perdida ao longo do caminho, e a maioria do que sobra é contaminada um pouco à medida que flui pelo sistema. Ou seja, algumas famílias que tem acesso à água encanada também acabam recorrendo a poços ilegais em vez de pagar a Pam Jaya por uma água que não é potável.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Em 2002, Megawati Sukarnoputri, então presidente da Indonésia, ergueu um muro costeiro de 2 metros de altura no norte de Jacarta para dar aos moradores da região um pouco de paz de espírito em relação ao constante afundamento de terra e a subida do mar. Nada disso impediu que, em fevereiro de 2007, a cidade sofresse a pior enchente da história, responsável por deslocar 340 mil pessoas e causar 40 mortes. Devido às chuvas torrenciais de vários dias, a água subiu mais de 5 metros de altura em algumas regiões de Jacarta.
Em 2019, o presidente indonésio Joko Widodo começou um projeto para deslocar a capital do país para uma nova cidade que está sendo construída na ilha de Bornéu, a 1.300 km de distância de Jacarta, em Kalimantan Oriental.
Conforme o Censo mais recente, a região abriga apenas 3,7 milhões de pessoas, e é rica em selvas, população de orangotangos e minerais. Em janeiro de 2022, Suharso Monoarfa, ministro do Planejamento, falou do Parlamento que “a nova capital tem uma função central e é um símbolo da identidade da nação, bem como um novo centro de gravidade econômica”.
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E é exatamente sobre isso que os críticos e a população indígena de Bornéu temem. A construção de uma nova cidade levará à expansão das plantações de óleo de palma e extração de madeira em uma área rica em vida selvagem diversificada e florestas tropicais. Além disso, a cultura local também pode ser drasticamente apagada. O projeto de construção da nova capital da Indonésia custará cerca de US$ 32,4 bilhões, e está sendo financiado pelo orçamento nacional, empresas estatais e investidores privados, e tem previsão para ficar pronto até 2045.
O que está acontecendo com Jacarta é o reflexo de um futuro em que as mudanças climáticas venceram em todos os aspectos, e que os humanos precisam se adaptar a uma realidade totalmente alterada pelo clima.