Artes/cultura
18/12/2018 às 10:30•4 min de leitura
“A temperatura é de 10 °C, ocasionando uma sensação térmica de 6 °C”, diz a beldade curvilínea, apontando para uma animação cheia de nuvens deslizando de um lado para o outro. E, bem, embora boa parte de nós já vá se preparando para uma temperatura um pouco menor do que a do termômetro, fica a pergunta: o que exatamente significa o dado meteorológico comumente chamado de “sensação térmica”?
O senso comum atesta que tem “algo a ver com o vento” — o que não está errado, absolutamente. Mas é possível ir um pouco mais a fundo, começando por algumas questões fundamentais relacionadas à termodinâmica (fique tranquilo, nós não pretendemos empilhar fórmulas e nem nada disso aqui).
Quando se diz que a sensação térmica depende do vento, trata-se de fato da velocidade com que o ar atmosférico “rouba” a nossa temperatura corporal. Ou, de forma mais precisa, trata-se da velocidade com que uma massa de ar que flutua sobre a pele é removida, dando lugar a outra.
Convecção termal de uma mão humana Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons
Isso porque o calor irradiado de dentro do corpo acaba por provocar um movimento conhecido como convecção — aquele mesmo que é responsável pelo funcionamento da sua geladeira —, promovendo a troca de temperatura dentro do corpo e em direção à superfície (a pele). Uma vez lá, a troca é então feita com o ar circundante, que forma então uma “massa insular” que envolve a pele.
Se você entendeu bem como se dá o mecanismo explicado acima, então provavelmente já sabe como a coisa funciona. De fato, quanto mais rápido se movimenta o ar à nossa volta — o vento, naturalmente —, mais rapidamente é arrastada a massa de ar aquecida pelo corpo humano.
Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons
Ao ocupar o lugar do ar previamente aquecido pelo contato com a pele, a nova massa de ar passa a fazer nova troca de temperatura com o corpo, e assim sucessivamente. É essa troca, tão mais constante quanto maior for a velocidade do vento, que nos dá a sensação térmica — ou dá a impressão de que a temperatura do ar está abaixo do que é indicado pelo termômetro (já que o corpo é resfriado mais rapidamente).
Na verdade, não se trata propriamente de “sensação térmica”. De fato, o termo físico mais apropriado é o “índice de resfriamento”. Entretanto, diferentemente do que muita gente possa pensar, a ideia de medir essa característica da troca de temperatura não partiu de nenhuma rede de TV ou associação de moças do tempo.
Paul Siple, em 1932 Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons
O “índice de resfriamento” foi medido pela primeira vez pelo geógrafo Paul Siple e por seu companheiro de viagem, o explorador Charles Passel. Durante uma expedição na Antártida em 1940, a dupla decidiu deixar várias garrafas de água expostas ao vento.
A ideia era registrar quanto tempo a água demoraria para congelar, de acordo com várias condições de vento. Após algumas centenas de leituras, os dois tiveram uma noção bastante clara de como o calor é perdido quando atingido por massas de ar a várias velocidades distintas.
Conforme dito anteriormente, Siple e Passel não tinham como objetivo fornecer alguns segundos a mais para as previsões do tempo em redes televisivas. De fato, as medidas originais do índice de resfriamento eram expressas em uma medida um tanto “mística” para a maior parte das cabeças não iniciadas: “watts por metro quadrado”.
Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons
Durante muito tempo mesmo as previsões do tempo se valiam de números com várias casas decimais para expressar o referido índice. Foi apenas durante a década de 1970 que alguém surgiu com a brilhante ideia de traduzir aquelas medidas um tanto esotéricas para valores de temperatura correspondentes.
Quando se fala em sensação térmica, surge uma dúvida bastante comum: “Aqueles valores representam temperaturas atmosféricas menores?”. Em termos objetivos, não.
Células de convecção Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons
Basicamente, a “sensação térmica” é algo que só faz sentido quando se trata de organismos vivos — particularmente, aqueles com sangue quente, como nós. Afinal, trata-se do “esforço” necessário para manter o corpo aquecido a despeito das trocas constantes do ar em movimento que se choca com a pele. Um copo-d’água, por exemplo, jamais congelará em temperatura acima do 0 °C, não importando a velocidade do vento.
Naturalmente, seria difícil acreditar em um valor imutável para a sensação térmica — mesmo que, em um cenário ideal, a temperatura atmosférica e a velocidade do vento se mantivessem constantes.
Na verdade, o valor fornecido pelos canais de televisão e sites de internet diz respeito a uma configuração bastante específica. Basicamente, as moças (ou moços) do tempo assumem que você está próximo ao chão, que seja de noite e que você ande exatamente contra o vento a uma velocidade de aproximadamente 5 quilômetros por hora.
Fórmula para cálculo da sensação térmica — "Ta" é a temperatura do ar (em Celsius) e "V" é a velocidade do vento a uma distância de 10 metros do solo. Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons
Ok, isso não é lá muito realista — e não faltam críticos contra o referido modelo, verdade seja dita. Afinal, diversos pormenores podem facilmente alterar dramaticamente a medida: você pode não andar contra o vento (ou estar parado); suas roupas podem ser grossas; e você pode estar amparado por algo que contenha a movimentação do vento (uma árvore, por exemplo).
Entretanto, a aproximação proposta pelo cálculo ainda ganha validade como aviso, sobretudo em temperaturas com risco de congelamento — de maneira que a falta de exatidão matemática é compensada pela utilidade pública. De fato, em valores muito baixos de “sensação térmica”, o congelamento pode começar em apenas cinco minutos. Portanto, vale o “quem avisa amigo é”.
Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons
Conforme colocou o site Mental Floss, é bom ter em mente que a fórmula para o cálculo da “sensação térmica” (ou índice de resfriamento) mudou consideravelmente com os anos — de maneira que recordes são um tanto discutíveis.
Entretanto, a título de curiosidade, em certa estação do tempo localizada na Antártida, uma temperatura de -70 °C proporcionou uma sensação térmica de -101 °C. Isso por conta de um vento que soprava a 120 quilômetros por hora.