Ciência
24/02/2015 às 04:30•3 min de leitura
Imagine poder ver através dos objetos como o Super-Homem. Esse "superpoder" talvez esteja mais perto do que se imagina, já que diversos artigos propõem métodos para se ver objetos opacos, como tecidos do corpo humano, por dentro e usando luz natural: ou seja, com cores fiéis.
A medicina já dispõe de várias tecnologias para ver o corpo humano por dentro, como o raio X, o ultrassom e a tomografia computadorizada. Mas usar a luz visível traz vantagens: ela interage com o organismo, trazendo junto informações como mudanças bioquímicas, anomalias celulares e níveis de glicose e de oxigênio no sangue.
Agora, cientistas estão conseguindo obter imagens de boa qualidade de tecidos finos, como a orelhas de um camundongo. Se a tecnologia conseguir enxergar até as partes mais profundas do corpo, ela pode eliminar procedimentos intrusivos como a biópsia ou permitir cirurgias a laser com precisão milimétrica.
Para ver os tecidos por dentro, é preciso lidar com a absorção e refração irregular da luz. Quer dizer, não há nada a fazer com o que é absorvido – a informação é perdida para sempre –, mas, em tese, é possível reconstituir o que foi espalhado. Para isso, os cientistas se inspiraram na solução usada por astrônomos para resolver o problema de espalhamento da luz, que consiste em usar um espelho deformável para cancelar as distorções.
Atualmente, podemos ver imagens de dentro do corpo com tomografias computadorizadas, raios X e ultrassom, mas sem informações de cores
Allard Mosk e Ivo Vellekoop usaram um "modulador espacial de luz", um emissor de luz que pode controlar a transmissão de diferentes partes de um feixe de laser ao atrasar uma parte em relação a outra. "Eles atiraram seu laser através do modulador em direção a uma folha pintada de vidro, colocaram um detector atrás do objeto e usaram um computador para monitorar o quanto de luz o detector pode captar", diz um artigo da Nature.
"O computador então adiciona ou subtrai os atrasos de cada pixel do modulador, através de um processo de tentativa e erro para ver quais mudanças minimizam o espalhamento do laser ao passar pelo vidro. De fato, o sistema está tentando dar à luz a distorção que a barreira opaca cancelaria", continua. Depois de mais uma hora rodando o algoritmo, conseguiram um foco milhares de vezes mais intenso que o sinal de fundo.
Sem saber do experimento, o bioengenheiro Changhuei Yang, do California Institute of Technology, tentava uma metodologia parecida. Os dois artigos publicados funcionaram como um gatilho para outros cientistas se aprofundarem no estudo.
Usando aparelhos como um espelho "reversor de tempo", é possível fazer a luz voltar seu caminho e iluminar o local focalizado pelo ultrassom
O físico óptico Jacopo Bertolotti, da Universidade de Exeter (Reino Unido) , conseguiu que tanto o emissor como o detector estejam na frente do objeto. Em seu experimento, ele colocou a letra "pi" do grego, fluorescente e com tamanho de 50 micrômetros (0,05 mm), atrás de uma tela opaca.
Quando ligou o aparelho, estava uma imagem embaçada do objeto, como se estivesse atrás de um box de banho. O que o cientista fez foi aplicar o laser, gravar o padrão de espalhamento da luz e depois fazer a mesma coisa em outro ângulo. Ao repetir o processo e comparando os padrões ponto a ponto, ele conseguiu reproduzir o formato da letra.
Analisando padrões, um experimento da Universidade de Exeter conseguiu recuperar um desenho escondido por uma tela opaca
Depois, Changhuei Yang e o biólogo Benjamin Judkewitz conduziram um experimento mais sofisticado, usando um "espelho reversor de tempo", que faz a luz retornar pelo mesmo trajeto. Eles iluminaram um objeto e focalizaram um ultrassom, que não se espalha facilmente, em um ponto de interesse.
Toda a luz que passava por esse ponto sofria uma mudança na frequência. No outro lado, o espelho refletia apenas os feixes de luz modificados, que faziam o caminho de volta e adicionavam sua energia à luz da primeira passagem, conseguindo, assim, iluminar o local no interior de um objeto opaco.
Agora, o desafio é conseguir fazer isso em locais mais profundos do corpo, já que a tecnologia já permite fazer as imagens em apenas 5,6 milissegundos, o suficiente para alvos em movimento, como um tecido vivo.
Além das óbvias aplicações na medicina, a técnica poderá ser usada para restaurar pinturas, já que será possível enxergar o que estava por baixo da tinta. "Muitos pintores trabalharam em muitas camadas, e as que estavam embaixo podem influenciar a deterioração física e química da tela, então há um significado em saber o que estava lá se você quer preservá-la", diz Bertolotti. Outro uso é militar, para se enxergar através de escudos.
Via TecMundo