Ciência
06/08/2024 às 18:00•3 min de leituraAtualizado em 09/09/2024 às 08:14
Tornou-se uma crônica diária entrar em um supermercado e ver frascos de azeite presos nas prateleiras por lacres antifurtos como se fossem artigos de luxo. Nos últimos meses, o valor do produto subiu 53,48%. Hoje, é possível encontrar o item por até R$ 50 em alguns mercados pelo país.
Engana-se, no entanto, quem imagina que esse seja um problema apenas do Brasil ou que diz respeito à inflação da nossa economia. O azeite e tudo está mais caro por conta do aquecimento global. O maior exportador mundial do produto é a Espanha, que atravessa uma das piores ondas de calor de sua história. Os gases de efeito estufa emitidos pelas atividades humanas aqueceram o planeta em 1,2 °C desde os tempos pré-industriais, mas a Europa como um todo está aquecendo pelo menos duas vezes mais rápido, enfrentando seu período mais seco em pelo menos 500 anos. A Catalunha ainda mais, com temperaturas 2,7 °C mais altas em 2022 do que a média entre 1960 e 1990.
As oliveiras precisam de, no mínimo, temperaturas que variam entre 8 °C e 10 °C durante o período de floração, mas está se tornando cada vez mais impossível com o calor extremo de 30 °C e temperaturas acima da média em locais que deveriam ser frios, como no município de Navacerrada, nos arredores de Madri. Com isso, a Espanha reduziu pela metade a produção de azeite devido à seca e ao calor, aumentando seu preço 112% desde 2022.
Conforme observou a Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação (UNCCD), é possível que até 2040 a seca possa afetar cerca de três quartos da população mundial, o que significa que a produção agrícola terá que aumentar em 60% para atender à demanda global de alimentos em 2050.
Em março desse ano, a Agência Europeia do Ambiente publicou uma análise regional inédita dos riscos relacionados ao clima, em que observou que os europeus devem se preparar para consequências catastróficas à medida que o aprofundamento da crise climática atinge todos os setores de sua economia neste século. O relatório apontou a região sul da Europa como a mais vulnerável, visto que lá o calor extremo se tornou mais frequente e os padrões de precipitação oscilam fora do comum.
No mesmo mês, cientistas do Banco Central Europeu e do Instituto de Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático divulgaram um relatório mostrando que o aumento das temperaturas pode adicionar até 1,2 ponto percentual à inflação global anual até 2035. Considerando o cenário atual, as emissões criadas pelo homem caminham para a inflação de longo prazo à medida que os picos se tornam mais frequentes.
O aumento das temperaturas não só criará condições insuportáveis para as colheitas e trabalhadores, como tempestades severas e secas prolongadas que afetarão as cadeiras de suprimentos e interromperão o fluxo do comércio, como aumentarão o mercado de risco e incerteza, dificultando sustentar tudo, desde uma casa até um novo empreendimento comercial.
É com isso que os produtores de azeite estão mais assustados do que nunca. Com mais calor, menos chuva, solos mais secos, menos umidade e mais moscas do azeite, alguns se perguntam como será possível continuar se chegam a perder 40%, 50% e até 60% de sua safra. Fora que precisam lidar com todos os custos de insumos, fertilizantes, cuidado, rega e outros fatores que envolve a produção em larga escala.
Todos os especialistas dizem por uma só boca: os efeitos vão piorar, e a única maneira mais clara de limitar isso é tentar controlar o monstro que se tornou a mudança climática. Apesar de guerras e cadeias de suprimentos também terem participação ativa na subida dos preços, há pouca dúvida entre os economistas de que um mundo mais quente também será mais caro, principalmente no que diz respeito aos alimentos. Afinal, as culturas, a pecuária e a pesca são extremamente sensíveis às mudanças em seus ambientes, bem como as plantas param de formar flores e frutos e, eventualmente, são incapazes de realizar fotossíntese se perderam muita água através de suas folhas.
Segundo um prospecto do economista agrícola Jerry Nelson, professor emérito da Universidade de Illinois, os produtores podem contornar os aumentos de preços induzidos pelo clima, minimizando o efeito para os consumidores. Contudo, esse tipo de estratégia de adaptação se tornará menos eficaz conforme as consequências das mudanças climáticas se tornarem mais frequentes e graves, se o sistema mundial de produção continuar nesse mesmo passo.
Em 2019, um estudo publicado na Science Direct descobriu que o risco de quebras simultâneas de safra nas principais regiões produtoras de milho pode aumentar de uma chance de 6% ao ano nas últimas décadas para 40% se o mundo aquecer a 1,5 °C acima das temperaturas pré-industriais – um limite que provavelmente excederá na próxima década. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas já projeta que os desastres atingirão cada vez mais várias regiões agrícolas ao mesmo tempo, criando escassez mundial.
Outros fatores, além da oferta, são importantes para prever consequências econômicas, mas modelar a fisiologia das culturas em regimes climáticos em mudança em todo mundo já serve de alerta para um futuro que está à beira do precipício – para não dizer em queda livre.
Leia livros sobre o aquecimento global!
Ficou curioso e quer compreender melhor as dificuldades e problemas ocasionados pelo aquecimento global? Então aproveite e confira algumas sugestões de obras para ler:
Livro Colapso, Jared Diamond
Livro A Terra Inabitável, David Wallace-Wells
Livro Caiu do Céu: o Promissor Negócio do Aquecimento Global, Mckenzie Funk
Livro A espiral da morte, Claudio Angelo