Ciência
29/12/2024 às 12:00•3 min de leituraAtualizado em 29/12/2024 às 12:00
Em 11 de outubro, a cidade de São Paulo foi castigada por ventos que atingiram 100 km/h em uma tempestade que derrubou cerca de 400 árvores, segundo dados da Prefeitura de São Paulo, e deixou pelo menos 1,6 milhão de residências sem energia elétrica. Três dias depois do apagão, o problema ainda afetava a vida de 400 mil pessoas na metrópole.
Em comunicado à imprensa, a companhia Enel disse que parte da sua área de concessão foi atingida por chuvas e fortes ventos, mas que a empresa acionou imediatamente o plano de emergência e reforçou suas equipes em campo para reconstruir trechos danificados da rede. Essa foi a terceira vez no ano que São Paulo testemunhou um apagão. Em novembro, os moradores da capital e da região metropolitana ficaram uma semana sem energia após um forte temporal atingir o estado.
Para além da aparente incompetência, falhas no atendimento e na rede por parte da concessionária de energia – e demais problemas administrativos do governo do estado –, esses momentos de crise faz muitas pessoas se indagarem: diante de chuvas cada vez mais fortes, por que a rede elétrica subterrânea não se populariza?
Em linhas gerais, não é barato e nem fácil uma rede elétrica subterrânea. O escritor e engenheiro britânico Arthur Vaughan Abbott já dizia isso em seu livro The Electrical Transmission of Energy, publicado em 1888, uma das primeiras obras a abordar detalhadamente os princípios e as práticas da transmissão de energia elétrica que estava em rápida evolução no final do século XIX.
Abbott reclamava que a rápida multiplicação de circuitos elétricos havia aumentado o número de fios aéreos a tal ponto que havia se tornado uma obstrução insuportável nas ruas. Os primórdios da eletrificação estão associados a um trabalho desleixado de engenharia, visando um desejo ingênuo de economizar quanto às demandas de tráfego.
Lá no comecinho do século passado se discutia sobre a possibilidade de colocar a distribuição de corrente alternada no subsolo, mas os obstáculos eram maiores do que o desejo estético – e ainda são, de certa forma. Abbott observou, por exemplo, que até mesmo os melhores cabos blindados poderiam ser arruinados por um único golpe de uma picareta. Era quase impossível a tarefa de construir um cabo que fosse autoprotetor contra influências destrutivas em constante ação, sendo a água subterrânea uma delas.
A transmissão aérea de energia elétrica nunca esteve isenta de problemas. Abbott escreveu extensamente sobre como a resistência do isolamento da linha varia de tempos em tempos, dependendo da limpeza das superfícies isolantes e do número de pontos de fixação do condutor aos isoladores. Portanto, é impossível prever ou calcular, exceto dentro de limites muito amplos, a resistência de isolamento dessas linhas.
Mais de 100 anos depois, não mudou muito a maneira como os circuitos aéreos são afetados por cargas incomuns de neve ou granizo, ventos fortes e abrasão de galhos de árvores.
Em 2017, o então prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), prometeu enterrar cerca de 52 km de fios em 117 vias do centro da cidade, e Ricardo Nunes (MDB) subiu a previsão para 65 km de cabos aterrados. No entanto, até o momento, a cidade possui somente 40 km deles, segundos dados da Prefeitura. Não há uma data certa para que o plano de Nunes se concretize.
Tanto no Brasil como em vários países pelo mundo, quando os especialistas são indagados sobre o porquê a eletricidade subterrânea ainda não é a maioria, a resposta é unânime: custo. Não é a segurança ou a continuidade do serviço elétrico colocado em questão pelas concessionárias de energia. Nos Estados Unidos, as empresas têm sido oponentes ferozes dos esforços para padronizar o aterramento de cabos de energia, alegando que o preço para executar um cabo de alimentação aéreo padrão é de US$ 100 mil por milha (cerca de 1,6 km) e que o preço para enterrar esses mesmos fios aumentaria dez vezes.
A Comissão de Serviços Públicos da Carolina do Norte concluiu em uma pesquisa que a transição para fios subterrâneos levaria 25 anos e aumentaria as tarifas de eletricidade em 125%. Os advogados de defesa das empresas de serviços públicos de energia apontam também que a rede elétrica subterrânea não é completamente viável em algumas áreas geográficas/geológicas dos EUA devido a condições naturais, como inundações previsíveis e locais com subsolo especialmente rochoso.
Edval Delbone, engenheiro elétrico e professor do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), respondeu à BBC Brasil que o tempo de obras para concretizar uma transformação na rede de eletricidade não é só extenso como também implica em longas paralisações das ruas para obras, podendo causar problemas substanciais em metrópoles como São Paulo.
“A logística é complicada. Avenidas e centros comerciais teriam que ser interditados por dias para cavas as valas – e pode ser que por muito tempo”, disse ele.