Artes/cultura
26/05/2024 às 18:00•4 min de leituraAtualizado em 26/05/2024 às 18:00
O nível do rio Guaíba, no Rio Grande do Sul, começou a subir em 5 de maio, e até agora são mais de 2 milhões de pessoas afetadas pelas enchentes, fruto da ação humana no longo espectro do aquecimento global e da falta de políticas e condutas ambientais corretas do governo do estado.
Uma sucessão de erros gerou consequências devastadoras para os habitantes do RS. Já são 581.633 desalojados, 72.561 vivendo em abrigos e 149 mortos. Há ainda 85 pessoas desaparecidas e 806 feridas, sendo que mais de 90% dos municípios do estado foram atingidos. O Rio Grande do Sul possui 241,1 mil pontos sem energia elétrica e 136 mil domicílios sem abastecimento de água. As pessoas deixaram suas casas e suas vidas para trás, em um dos maiores êxodos climáticos modernos que o Brasil testemunhou.
Isso que estamos vendo, no entanto, é apenas uma parcela muito pequena de um problema gigantesco. Segundo as estatísticas publicadas pelo Centro de Monitorização dos Deslocados Internos, mais de 376 milhões de pessoas em todo o mundo foram deslocadas devido inundações, tempestades, terremotos ou secas inaturais desde 2008.
Em 2022, atingimos um número recorde com 32,6 milhões de refugiados climáticos, comprovando aos órgãos de defesa do meio ambiente que o problema está se intensificando rapidamente.
Desde 2020, houve um aumento anual de 41% no número total de pessoas deslocadas devido a desastres, em relação à década anterior. A tendência é que até 2050, 1,2 bilhão de pessoas poderão ser deslocadas, conforme dados da Federação Internacional da Cruz Vermelha e da Crescent Societies (IFRC).
Não é exagero dizer que essa crise mundial é esquecida, a começar que não existe uma definição clara para "refugiado climático", tampouco essas pessoas estão respaldadas pela Convenção sobre Refugiados de 1951, que cobre apenas aqueles que são perseguidos devido à raça, religião, nacionalidade, ou por pertencerem a um determinado grupo social, ou opinião política.
Isso significa que o clima não pode ser citado como uma razão para solicitar asilo ou invocar o estatuto do refugiado, muito embora o Pacto Global para a Migração de 2018 cite o clima como uma razão potencial para a migração. Com isso, os refugiados climáticos não possuem um reconhecimento formal sob o Direito internacional.
Em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas lançou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, uma coleção de 17 metas globais para todos os povos e nações, incluindo vários objetivos relacionados a migração e apelos a revisões regulares do estatuto migratório. Estamos a quase 5 anos do fim da Agenda e a resposta a este desafio segue limitada e a proteção das pessoas afetadas pelo clima, inadequada.
Em 19 de setembro de 2016, a Assembleia Geral da ONU adotou a Declaração de Nova York para Refugiados e Migrantes, na qual apelou ao desenvolvimento de dois pactos globais, um dos quais falava sobre a necessidade de proteção de "outro tipo de migrantes". Assim surgiu o Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular (GCM), aprovado em 10 de dezembro de 2018, em Marrocos. Nele, é reconhecido no seu Objetivo 2 a situação urgente dos migrantes deslocados devido às condições climáticas.
O que acontece é que, apesar de a migração climática ser pauta nas negociações internacionais há alguns anos, as pessoas afetadas não possuem reconhecimento adequado do seu estatuto ou de necessidade de proteção humanitária, lançando-as em um verdadeiro limbo jurídico.
A década de 1980 é reconhecida como o momento em que o aquecimento global começou a piorar. Hoje, mais do que em qualquer momento da história registrada, as pessoas são forçadas a fugirem de suas casas para lidar com eventos climáticos extremos, de secas a inundações destrutivas, causando êxodos de curto prazo, com duração de horas ou dias; ou deslocamentos que duram anos ou são de tempo indeterminado.
Os ambientalistas reforçam: o que testemunhamos diariamente não são mais os denominados “fenômenos da natureza”, mas a consequência da atuação do homem no meio ambiente. E esses não são mais os únicos fatores que influenciam na crise global de refugiados, pois as pessoas também estão deixando suas vidas devido à escassez de água, o aumento da fome e de outras questões e barreiras que impossibilitam o acesso aos recursos naturais necessários.
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) declarou que a escassez alimentar global e a questão da desertificação estão associadas às condições de vida de populações já vulneráveis que vivem em êxodo climático. No Líbano, o estresse hídrico e os invernos rigorosos anormais causam o sofrimento de mais de 750 mil refugiados sírios com ondas de frio e lutam para obter água limpa e segura regularmente. Em busca de uma fonte de recurso para sobrevivência, esse povo deslocado acaba recorrendo à conversão extensiva do uso da terra e à superexploração das águas subterrâneas, piorando o cenário ambiental.
Em Bangladesh, uma vez que 75% do país está abaixo do nível do mar, mais de 25 milhões de pessoas já foram afetadas pelo aumento das águas devido às condições climáticas. Estudos sugerem que, até 2050, o aumento do nível do mar sumirá com os outros 17% do país, deslocando mais 20 milhões de pessoas – e ninguém sabe para onde.
“É difícil para os países chegarem a um consenso. A realidade é que existem dezenas de milhões de pessoas refugiadas pelo clima, e não concordamos sobre o que podemos fazer sobre elas”, disse Erol Yayboke, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, à NPR em 2018.
Em 2021, os especialistas em política ficaram felizes quando Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos, encomendou um relatório sobre o deslocamento climático para orientar políticas futuras. No entanto, ao ser publicado pelo Conselho de Segurança Nacional, foi recebido com um suspiro de decepção por todos devido à falta de novos insights e qualquer coisa que não fossem medidas, em vez de ação.
Afinal, é de conhecimento geral que, se os EUA tomassem a iniciativa e definissem o que é um refugiado climático, marcaria uma grande mudança na política global de refugiados. Enquanto isso, a crise avança em todo mundo, piorando as chances de um futuro para bilhões de pessoas.