Ciência
14/12/2024 às 06:00•3 min de leituraAtualizado em 14/12/2024 às 06:00
Desde a segunda metade do século XX que o turismo de inverno popularizou a prática de esquiar, estabelecendo e alavancando as estações de esqui pelo mundo. Quase 90 anos depois, cerca de 400 milhões de pessoas visitam resorts de inverno e estações a cada ano, com mais de 68 países oferecendo condições para a prática.
A receita global dessa indústria está na casa dos US$ 20 bilhões, com um mercado voltado para o esqui que representa mais de US$ 6 bilhões. Apesar de esquiar se tratar de uma prática considerada da elite, o turismo em massa há muito desconstruiu essa ideia quando o assunto é a temporada de dezembro a abril.
No final de 2019, com o prenúncio da pandemia do covid-19, os fechamentos antecipados das estações de esqui e resorts causaram um rombo financeiro de cerca de US$ 2 bilhões apenas para o mercado dos Estados Unidos.
A indústria acreditou que a pandemia havia sido o maior golpe que poderiam receber. Quando o turismo disparou e as fronteiras foram reabertas, causando uma avalanche de visitantes, a indústria se deparou com um problema ainda mais grave: as condições climáticas se tornaram uma ameaça existencial às estações de esqui e à indústria dos resorts de inverno.
Por 65 anos, o resort Grand Puy, em Seyne-les-Alpes, na França, transportou turistas em seus teleféricos a uma altura de 1.800 metros, mas isso acabou no final do ano passado. O município, com pouco mais de 1.300 habitantes, votou para que o histórico resort encerasse suas atividades devido à falta de neve. Com isso, o empreendimento se juntou aos 180 resorts que fecharam desde a década de 1970.
Com mais de 24 km de pistas de esqui, o Grand Puy viu seu número de visitantes despencar pela metade na última década. Durante a temporada de 2013-14, foram registrados 17 mil dias de esqui, e no mesmo período de 2023-24, esse número foi de apenas 6 mil.
Tornou-se uma notícia cada vez mais comum resorts e pistas de esqui encerando suas atividades pela Europa e pelo mundo devido à falta significativa de neve combinada com temperaturas cada vez mais elevadas. O popular resort francês de Saint-Colomban-des-Villards interrompeu seu funcionamento devido a temperaturas que já ultrapassam 13 °C, onde normalmente não chegava a 4 °C.
Em outubro, foi anunciado pela Agência Espacial Francesa (CNES) que uma pesquisa consistente revelou que muitos resorts europeus de esqui terão pouca ou nenhuma neve nos próximos 25 anos.
A informação se apoia em um artigo publicado por cientistas da Universidade de Grenoble na Nature Climate Change, que examinaram 2.234 resorts de inverno pela Europa e concluíram que, se o uso de combustíveis fósseis continuar sem controle e as temperaturas médias globais aumentarem 4,4 graus ou mais, 98% desses empreendimentos devem deixar de existir até 2100.
As nevascas cada vez mais erráticas e invernos mais quentes complicam a vida dos resorts que já dependem de uma temporada curta para conseguir fazer o negócio prosperar, tendo que recorrer à neve artificial para isso. Já houve um tempo que o recurso era apenas uma maneira de preencher as poucas carecas que apareciam no tapete branco das colinas dos destinos de esportes de inverno e garantir que as competições pudessem ser realizadas.
Um estudo publicado na Taylor&Francis estimou que, dos 21 locais que sediaram as edições anteriores dos Jogos Olímpicos de Inverno, apenas um poderia administrá-lo até o final do século, o resort de Sapporo. Para se ter uma ideia, as Olimpíadas de Inverno de Pequim em 2022 foi totalmente executada com neve artificial.
Portanto, não é por acaso que Johan Eliasch, presidente da Federação Internacional de Esqui e Snowboard, disse que a indústria do esqui está enfrentando uma crise existencial. E não se trata apenas de férias e negócios sendo interrompidos, as montanhas estão sofrendo com o desequilíbrio em seus ecossistemas.
As geleiras alpinas da Suíça já perderam cerca de 60% de seu volume de neve desde 1850. Nos últimos 50 anos, aumentou em cerca de 250 metros o nível de zero grau, onde a neve pode descansar, e pode subir mais 400 metros a 650 metros até 2060 se não forem intensificados os esforços para a mitigação do aquecimento global.
Ano passado, cientistas franceses e austríacos lançaram um estudo mostrando que mais da metade das estações de esqui da Europa correm risco muito alto de neve insuficiente se as temperaturas globais subirem 2 °C – sendo que já há estimativas que ultrapassemos esse número.
Enquanto isso, as empresas de resorts de esqui continuam lançando suas toneladas de neve artificial para manter o negócio funcionando. “Não é uma prática sustentável. É ruim para o meio ambiente e um desperdício de dinheiro público”, criticou Vanda Bonardo, co-presidente do Legambiente, um grupo ambientalista italiano. Portanto, está mais do que na hora de pensar em um novo modelo de turismo de inverno.