Ciência
14/12/2024 às 15:00•2 min de leituraAtualizado em 14/12/2024 às 15:00
Uma descoberta recente em El Barranc de la Boella, no nordeste da Espanha, trouxe à tona ferramentas de pedra avançadas de cerca de 900 mil anos atrás. Segundo Diego Lombao, antropólogo da Universidade de Santiago de Compostela, essas são as evidências mais antigas da Europa de uma técnica sofisticada de fabricação de ferramentas. O achado sugere que esses avanços tecnológicos surgiram antes da separação evolutiva entre humanos modernos e neandertais.
A descoberta indica que os hominídeos daquela época não só produziam ferramentas maiores e mais específicas, como seguiam um padrão comum de fabricação. Os cientistas perceberam que a forma como as pedras eram talhadas seguia uma sequência estruturada, o que demonstra um alto nível de planejamento e habilidade técnica. Lombao e sua equipe destacam no estudo que a sofisticação observada no sítio arqueológico revela “um nível sofisticado de antecipação e planejamento”.
As ferramentas descobertas em El Barranc de la Boella fazem parte do chamado Modo 2, ou técnica acheuliana. Esse método representa um upgrade significativo em relação às ferramentas mais antigas conhecidas como Modo 1, ou Oldowan. Enquanto as ferramentas Oldowan eram feitas apenas com batidas simples entre duas pedras, o Modo 2 envolvia um processo de refinamento adicional, utilizando ossos ou madeira para dar forma e simetria aos artefatos. Os resultados? Machados e picaretas de pedra muito mais eficientes e específicos para determinadas tarefas.
Esses hominídeos também demonstraram um conhecimento impressionante na escolha dos materiais. Por exemplo, usavam sílex para produzir ferramentas menores e mais delicadas, enquanto o xisto era reservado para instrumentos maiores e robustos. Lombao descreve El Barranc de la Boella como um testemunho único da evolução tecnológica na Europa, onde a fabricação de ferramentas já envolvia “um uso mais eficiente dos recursos”.
O mais curioso é que a tecnologia avançada encontrada em El Barranc de la Boella pode não ter se originado ali. Os pesquisadores acreditam que essas técnicas chegaram com migrações, em vez de terem sido desenvolvidas localmente. Algumas dessas práticas surgiram de repente na região, o que levanta a hipótese de que os avanços tecnológicos foram trazidos por ondas de dispersão populacional, vindas possivelmente da África.
Essa hipótese ganha força quando os especialistas comparam as ferramentas de El Barranc de la Boella com as encontradas em outros sítios arqueológicos, como Ubeidiya, no Oriente Médio. “Propomos que El Barranc de la Boella represente uma dispersão inicial da tecnologia acheuliana vinda da África, cerca de 1,4 milhão de anos atrás”, explicam os pesquisadores.
Esse avanço não foi um salto abrupto, mas um processo gradual, moldado por várias ondas de migração e intercâmbio cultural. Lombao ressalta que a inovação tecnológica naquela época não seguiu uma linha reta: “Foi o resultado de múltiplas dispersões populacionais e da chegada gradual de novos comportamentos tecnológicos vindos da África”.
A evolução das ferramentas – e do pensamento por trás delas – teria sido fruto de um contínuo aprendizado e adaptação. El Barranc de la Boella prova que nossos ancestrais tinham uma capacidade incrível de planejamento e execução. E, assim como eles moldavam pedras, moldavam também o caminho para os avanços que nos trouxeram até aqui.