Segredos de múmia egípcia de 3 mil anos são revelados em digitalização

31/10/2024 às 06:002 min de leituraAtualizado em 31/10/2024 às 06:00

Entre as múmias que repousam nas galerias do Field Museum em Chicago, uma em particular tem intrigado os pesquisadores há décadas: Lady Chenet-aa, uma aristocrata egípcia que viveu durante a 22ª Dinastia — cerca de 3 mil anos atrás.

O mistério de seu caixão de cartonnage, uma estrutura de papiro e gesso semelhante ao papel machê, sempre deixou os egiptólogos curiosos. Diferente de outros caixões que possuem costuras visíveis, o de Chenet-aa parecia completamente liso e sem junções, o que levantou a dúvida: como a múmia teria sido colocada lá dentro?

Esse enigma histórico começou a ser desvendado graças à tecnologia de tomografia computadorizada (CT). Em outubro, o museu anunciou que, ao utilizar um scanner móvel, finalmente conseguiram entender o procedimento por trás do que foi apelidado de “múmia trancada”.

“Era essencial que o caixão interno parecesse inteiro e sem costuras externas”, explicou JP Brown, conservador sênior do Field Museum. A abertura na base é estreita demais para a largura dos ombros da múmia passarem, o que indica uma técnica elaborada usada pelos antigos egípcios para manter a integridade visual do caixão.

Truque usado pelos egípcios

Imagens revelaram olhos artificiais colocados no crânio de Lady Chenet-aa. (Fonte: The Field Museum/Morgan Clark)
Imagens revelaram olhos artificiais colocados no crânio de Lady Chenet-aa. (Fonte: The Field Museum/Morgan Clark)

Para entender melhor a técnica, uma equipe de especialistas passou quatro dias transportando e digitalizando cerca de 26 múmias, incluindo a de Chenet-aa, em um scanner móvel estacionado fora do museu. A tomografia cria renderizações 3D detalhadas ao empilhar milhares de imagens de raios X, o que permitiu uma análise inédita e precisa do caixão de Chenet-aa e seu conteúdo. O resultado? Uma revelação surpreendente.

Segundo Brown, os embalsamadores cortaram uma fenda nas costas do cartonnage e aplicaram umidade para deixá-lo mais flexível. Em seguida, a múmia foi erguida e amarrada em um poste, e o caixão foi cuidadosamente colocado sobre sua cabeça. Depois, a fenda foi lacrada com corda e coberta com uma camada de gesso. “Quando o cartonnage endureceu novamente, eles o selaram e o pintaram, deixando o caixão liso e impecável”, disse Brown. Essa técnica não apenas preservava a aparência, mas também mantinha o corpo seguro para o pós-vida.

A análise revelou ainda detalhes fascinantes: as camadas de tinta do caixão mostraram que ele foi decorado enquanto Chenet-aa ainda estava de pé, reforçando o cuidado e o rigor no preparo do enterro. Após essa última etapa, a múmia estava pronta para seu repouso eterno, protegida e preparada para a vida após a morte.

Uma amostra da saúde de Chenet-aa

Especialistas planejam passar o próximo ano analisando tomografias computadorizadas para entender melhor as múmias. (Fonte: The Field Museum/Morgan Clark)
Especialistas planejam passar o próximo ano analisando tomografias computadorizadas para entender melhor as múmias. (Fonte: The Field Museum/Morgan Clark)

Além de resolver o enigma da montagem do caixão, as imagens de tomografia também revelaram aspectos inéditos sobre a saúde de Chenet-aa. A aristocrata provavelmente morreu entre os 30 e 40 anos, e sua arcada dentária não estava em boas condições. Muitos dentes estavam ausentes, enquanto os restantes apresentavam desgaste severo, provavelmente causado pela presença de areia na alimentação.

Outro detalhe intrigante foi encontrado em seu crânio. Em ambas as órbitas oculares, havia objetos brilhantes, indicando olhos artificiais. Embora os verdadeiros olhos estivessem ausentes, essas próteses teriam a função de permitir que Chenet-aa mantivesse sua visão na vida após a morte. “Para os egípcios, a preparação para o pós-vida era como economizar para a aposentadoria”, brincou Brown.

O pesquisador comparou a importância dos olhos para a múmia à ideia de “poupança” para o futuro espiritual. Para eles, cada detalhe simbólico era literal; se quisessem enxergar na eternidade, precisariam de olhos, nem que fossem representações físicas.

 

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