Artes/cultura
07/03/2024 às 18:00•3 min de leituraAtualizado em 07/03/2024 às 18:00
Em meados de 2008, o mercado imobiliário dos Estados Unidos começou a ruir como consequência direta dos empréstimos hipotecários de alto risco, conhecidos como subprime, que consiste no oferecimento de empréstimos a pessoas físicas que não se encaixam nas condições "prime rate". Esse problema começou no início dos anos 2000, atingindo seu ápice em 2007.
Assim que os preços dos imóveis começaram a cair e muitos mutuários não puderam mais pagar suas hipotecas, os "títulos lastrados em hipotecas" (empréstimos empacotados em produtos financeiros complexos) perderam valor e os problemas se espalharam pelos mercados financeiros globais, causando perdas significativas de grandes instituições financeiras e até falências.
Em um efeito cascata que causou uma recessão global, com queda na produção econômica, aumento de desemprego e uma série de impactos sociais e econômicos, nasceu a criptomoeda. O Bitcoin foi introduzido em janeiro de 2009 por uma pessoa ou um grupo, sob o pseudônimo Satoshi Nakamoto, como uma moeda digital peer-to-peer que poderia oferecer uma alternativa ao sistema financeiro tradicional.
A popularidade criou milhares de criptomoedas, apesar de algumas, como o Bitcoin e a Ethereum, seguirem como as mais famosas, bem como sua volatilidade a curto e longo prazo a consideraram um investimento puramente especulativo.
Pensando em resolver esse problema, foi criado um tipo de criptomoeda apoiada por investimentos mais tradicionais, como moedas fiduciárias (dólar americano, euro etc.) ou commodities, mantendo seu valor estável em relação a esses ativos. Isso proporciona a conveniência das transações digitais sem a volatilidade extrema associada a algumas criptomoedas.
Essas são as stablecoins, maior alvo de crimes e fraudes de criptomoedas.
A estabilidade e fluidez das stablecoins se tornou o futuro das transações de tal forma que, em 2022, ultrapassou o valor total do próprio Bitcoin. Segundo o CryptoSlate, o mercado de stablecoin estabeleceu um valor surpreendente de mais de US$ 11 trilhões, traçando paralelos com empresas gigantes de pagamentos, como a Visa, que fez US$ 11,6 trilhões em transações.
Esse poder de influência e popularidade, no entanto, abriu margem para que acontecesse uma gama de crimes, como evasão de sanções internacionais e fraudes contabilizadas em milhões de dólares. Segundo um levantamento feito pela Chainalysis, as stablecoins foram usadas em 70% das transações criptográficas fraudulentas em 2023, sendo que 83% dos pagamentos foram para países sancionados, como Irã e Rússia, e 84% para indivíduos e empresas especificamente sancionados.
Descobriu-se um rombo de US$ 40 bilhões em transações criptográficas criminosas. As stablecoins acabam atraindo pessoas e países sancionados porque permite que os alvos de sanções contornem qualquer tentativa de negar uma moeda física estável, como o dólar americano. Alguém que tenta lavar dinheiro de qualquer forma se beneficia da estabilidade do dólar americano que as pessoas procuram obter. Se a pessoa está em uma jurisdição onde não há acesso daquela moeda em específico, as stablecoins se tornam uma alternativa interessante.
Um país só é sancionado devido a comportamentos considerados inaceitáveis na frente internacional, e isso pode acontecer de maneira econômica, política ou diplomática. Esse comportamento pode incluir violações de direitos humanos, agressões militares, desenvolvimento de armas nucleares, e entre outras ações que violem normas internacionais.
Ao longo dos anos, o Irã tem enfrentado sanções econômicas como parte da pressão internacional sobre seu programa nuclear, que levantou suspeitas e resultou em uma série de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de sanções impostas por vários países e organizações.
Quando é falado em uma pessoa sancionada, isso significa um indivíduo, que pode ser personalidade da mídia ou políticos, penalizado por organizações internacionais ou governos por suas ações, como envolvimento em atividades consideradas inaceitáveis.
Com isso, é usado algumas bolsas e redes, como a Nobitex, no Irã, e a Garantex, na Rússia, para poder dar vasão às ações criminosas dessas pessoas e países. O uso de stablecoins no Nobitex supera o Bitcoin em uma proporção de 9:1, e no Garantex de 5:1. A Chainalysis percebeu que a criptomoeda enfrenta uma grande diferença em relação à proporção em algumas exchanges convencionais não sancionadas.
A empresa também afirmou que seus dados foram baseados no tipo de criptomoeda enviada diretamente a um ator ilícito, o que pode deixar de fora outras moedas usadas em processos de lavagem de dinheiro que trocam repetidamente um tipo de criptomoeda por outra para dificultar seu rastreamento.
O uso de stablecoins na evasão de sanções é um problema perturbador porque mina um sistema destinado a responsabilizar países, indivíduos e empresas por comportamento criminoso e violações do direito internacional. Empresas como a Tether Holdings, que emite a moeda estável que compartilha seu nome e que também é alvo de uso criminoso, disse em uma declaração à Wired Magazine que colabora ativamente com agências policiais globais para identificar e prevenir o uso ilícito de sua criptomoeda. Para ilustrar, a Tether apontou que contribuiu para congelar os ativos de usuários envolvidos em fraudes ou que violaram as listas de sanções do Tesouro dos EUA, e salientou que todas suas transações, como muitas criptomoedas, podem ser acompanhadas publicamente em blockchains.
Diferente de a maioria das demais criptomoedas, a Tether tem a capacidade de congelar os fundos dos usuários, sendo que desde 2014 já congelou mais de US$ 835 milhões em fundos considerados suspeitos ou vinculados a atividades ilícitas. Em entrevista, a empresa argumentou que esse tipo de atitude é o mínimo que pode ter para tentar combater um problema com raízes tão profundas.