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15/07/2020 às 14:00•4 min de leitura
Durante os 72 anos que governou a França, a melhor maneira que Luís XIV encontrou para demonstrar a epítome de seu poder foi construindo o grandioso Palácio de Versalhes. Considerado um dos maiores do mundo, o local tem 67 mil metros quadrados, 2.153 janelas, 67 escadas, 352 chaminés, 700 quartos, 1.250 lareiras e 700 hectares de parque.
Inicialmente, foi Luís XIII que explorou o local e ordenou que fosse construída uma casa de campo, em 1623. Mas a verdadeira transformação de Versalhes aconteceu quando Luís XIV foi coroado e convocou os arquitetos Jules Hardouin-Mansart, Robert de Cotte e Louis Le Vau para que desenvolvessem um palácio que exaltasse o seu poder majestático. Baseando-se no pensamento de Descartes que dizia que o homem deveria se tornar o "senhor e dono da natureza", o paisagista André Le Nôtre criou jardins franceses simétricos que incluíam fontes ornamentadas com água parada, e o pintor Charles Le Brun focou obras e esculturas que tinham o objetivo de celebrar o autodenominado Rei Sol.
Apesar de toda essa magnificência, a vida da corte francesa no local era insalubre, esquisita e repleta de regras estritas e bizarras que visavam apenas enaltecer o monarca.
A vida ritualizada em Versalhes começava às 8h30, pontualmente, todos os dias, visto que a rotina era levada muito a sério. Entre nobres de alto escalão e membros da família real, cerca de 100 espectadores assistiam ao rei ser acordado pelo Primeiro Oficial de Quarto, que era a pessoa encarregada de despertá-lo. Após a visita do Primeiro Médico, todos se empoleiravam ao redor do soberano para vê-lo ser lavado, penteado e barbeado. Uma vez que cada um tinha uma função na corte, algumas pessoas eram responsáveis por entregar roupas, vesti-lo, segurar o espelho, entre outras tarefas durante esse processo.
Maria Antonieta era acordada ao meio-dia e carregada até o banheiro, sempre cercada por membros do palácio que investigavam os seus fluídos tanto fecais quanto menstruais e a ajudavam a lavar as mãos, escovar os dentes e se vestir.
A cerimônia era repetida quando a noite chegava. Em um contexto geral, os nobres precisavam estar ausentes o menos possível da vida dos monarcas, como forma de melhor afirmar a sua presença na corte.
Como parte das regras, era exigido que certos tipos de roupas fossem usados durante alguns momentos do dia. As mulheres foram as que mais sofreram com isso, já que o século XVII criou espartilhos de ossos de baleia, que esmagavam as costelas delas com a sua rigidez. As saias tinham que ter exatamente 30 metros de puro tecido francês, pois o monarca não aceitava têxteis que não fossem produzidos no próprio país.
As mulheres precisavam aprender a caminhar de um modo específico, que desse a impressão de que estavam apenas deslizando, não podendo chutar o vestido durante os passos. Era dever de outros nobres repassar ao rei quem não estivesse fazendo isso direito.
Os homens eram pressionados a acompanhar a moda, que mudava muito rápido em Versalhes. Muitos deles acumularam dívidas — exatamente como o rei queria —, gastando todo o dinheiro que tinham em alfaiates, perucas, barbeiros, joalheiros, perfumistas e sapateiros. Quem não acompanhasse a demanda imparável poderia acabar na rua.
Saneamento e higiene não eram os atributos mais fortes no palácio. Até 1789, havia apenas nove banheiros com vasos sanitários no local, todos destinados ao rei, aos seus familiares e amigos íntimos. Sendo assim, os mais de 10 mil habitantes de Versalhes tinham que se revezar entre os 300 penicos existentes.
Os corredores e pátios acabavam sendo vistos como as únicas latrinas acessíveis a todos. E, com a quantidade de moradores, os servos não davam conta de combater o fedor de fezes e urina que infestava o ar. Com a água contaminada por bactérias, tomar banho não era um hábito rotineiro, por isso os nobres se perfumavam em excesso e eram cobertos de piolhos e pulgas.
E a imundície não era só humana. Luís XIV amava animais e gastava milhares de euros por ano adquirindo elefantes, flamingos, cachorros e gatos. Os bichos vagavam pelo terreno, espalhando quilos de excremento que raramente eram removidos.
Como se tudo isso não bastasse, as dependências do palácio não eram fechadas ao público, e os transeuntes aproveitavam para despejar o próprio lixo nas mediações do palácio, tornando a situação ainda pior. No entanto, com milhares de pessoas se divertindo no luxuoso local, parecia fácil ignorar "um pouco" de sujeira a mais.
Quando as pessoas não estavam morrendo pelas doenças que o palácio espalhava, estavam sofrendo por conta do frio. O inverno de 1708 foi registrado como um dos piores da história, e muitas pessoas congelaram em toda a França, inclusive os nobres em Versalhes.
Durante os rigorosos invernos, as proporções do imenso palácio impediam que as lareiras regulassem adequadamente a temperatura em todos os ambientes. Uma vez que os nobres ocupavam aposentos escuros, mofados e apertados, a solução que encontraram foi fazer a própria lareira, mas a profusão de fumaça intoxicante fez muitos serem expulsos dos quartos, enquanto outros morreram por asfixia.
Todo o regime estrito no Palácio de Versalhes foi criado pelo Rei Sol com um único intuito: controlar a nobreza. As cerimônias, os rituais e as sessões de entretenimento eram uma maneira de ocupar a mente dos nobres para que fizessem qualquer outra coisa senão planejar a morte do rei.
Quando as regras e apresentações sociais não precisavam ser atendidas, Luís XVI estabeleceu um método de competição entre os nobres, para que disputassem uma melhor posição na corte. Alguns cargos até podiam ser comprados, mas outros dependiam inteiramente da vontade dos reis.
Com isso, tramar um meio de adquirir influência se tornou o único jogo político dentro do complexo; e era levado muito a sério.