Ciência
26/10/2020 às 15:00•4 min de leitura
Em 26 de novembro de 1977, um indivíduo autodenominado Vrillon, de um suposto Comando Galático Ashtar, invadiu uma estação de TV na zona rural do Sul da Inglaterra durante um boletim de notícias. O áudio do programa foi substituído por uma voz que avisou que um desastre afetaria o destino da raça humana e dos seres de “outros mundos”. Essa foi a primeira vez que um hacker invadiu um sinal de televisão na Europa.
Em 27 de abril de 1986, às 12h32, foi a vez dos Estados Unidos sofrer uma intervenção hacker. O canal HBO teve seu sinal interrompido durante a exibição do filme A Traição do Falcão por um homem autodenominado Capitão Meia-Noite. Telespectadores ao longo de toda a costa leste assistiram ao homem discursar durante 5 minutos sobre sequestrar os sinais de outras emissoras.
O caso se tornou influente na cultura popular, mas perdeu seu posto 1 ano depois para um incidente ainda mais emblemático.
Na noite de domingo de 22 de novembro de 1987, o canal WGN-TV, que transmitia para a cidade de Chicago, apresentava o comentarista esportivo Dan Roan, que cobria os destaques da recente vitória do time de futebol americano Bears contra o Detroit Lions.
Por volta das 21h14, Roan sumiu da tela e foi substituído por um chiado colorido que durou 15 segundos até que a imagem retomasse. Para o espanto de todos, havia uma pessoa vestindo uma máscara de borracha com o rosto de Max Headroom: um personagem britânico criado através de Inteligência Artificial pelo trio Jankel, Stone e Morton, em 1985.
Durante 30 segundos, a pessoa por trás da pitoresca máscara ficou parada diante do fundo com barras giratórias enquanto um zumbido dissonante se repetia, até que os engenheiros de sinal da WGN conseguissem transferir o sinal para o topo do prédio da emissora.
Quando a imagem voltou para um Dan Roan confuso, ele expressou tudo o que as milhares de pessoas que assistiam ao Canal 9 estavam pensando: “Bem, se você está se perguntando o que aconteceu, eu também estou”, declarou o comentarista, rindo.
A programação seguiu como planejada, porém uma confusão havia-se instaurado na sala de controle da WGN-TV — localizada no bairro de Bradley Place, ao norte de Chicago, a 11 quilômetros do John Hancock, o edifício de 100 andares onde ficavam os estúdios do canal. Como conseguiram se intrometer no sinal deles? Quem era aquela pessoa e o que ela quis dizer com sua aparição?
Às 21h16, os técnicos começaram a vasculhar o prédio após suspeitarem de que aquilo era trabalho de algum transgressor infiltrado. No entanto, eles não conseguiram encontrar nada, mas o hacker ainda não tinha acabado com o seu show particular.
Às 23h15, exatamente 2 horas depois, o canal WTTW, na época filiado ao canal PBS, transmitia o episódio Horror of Fang Rock, o primeiro da 15ª temporada da série britânica Doctor Who, quando a imagem foi interrompida por pura estática. Um painel de metal girando de maneira hipnótica surgiu na tela junto à cópia mascarada de Max Headroom.
A voz distorcida, que lembrava a de um vilão débil de desenho animado, disse: “Ele é um nerd maldito! Eu acho que sou melhor do que o Chuck Swirsky. Liberal de merda!”. Headroom estava se referindo ao locutor dos jogos do Chicago Bulls, o preferido da WGN Radio.
Entre xingamentos, ele cantarolou o tema do desenho Clutch Cargo, da década de 1960. Ele recitou o slogan da Coca-Cola e disse: “Eu ainda vejo o X”, uma referência ao título do último episódio de Clutch Cargo. O hacker ainda chegou a pegar uma luva brilhante e jogá-la longe gritando que ela estava “suja de sangue”, provavelmente em uma referência polêmica envolvendo o astro Michael Jackson.
“Acabei de fazer uma obra-prima enorme para todos os nerds dos maiores jornais do mundo”, observou o hacker, em uma provocação à emissora WGN, cuja abreviatura significa “O Melhor Jornal do Mundo”.
Por último, Headroom surgiu com a bunda de fora enquanto uma mulher batia nela com um mata-mosca. “Eles estão vindo me pegar! Venha me pegar, vadia!”. A voz distorceu até que a transmissão da série foi retomada.
A intervenção hacker durou exatamente 22 segundos antes que os engenheiros de sinal pudessem bloqueá-la. No momento do incidente, não havia nenhum engenheiro de plantão na torre transmissora da WTTW, por isso demoraram tanto para retomar a transmissão do canal. Sem ninguém que pudesse gravar a cena, as únicas cópias da ação do hacker foram registradas por fãs de Doctor Who que gravavam o episódio em seus videocassetes.
Entre confusos e revoltados pela interrupção, milhares de telespectadores ligaram para as duas emissoras para tentar descobrir o que havia acontecido. No dia seguinte, a intromissão hacker era matéria de capa de todos os jornais de Chicago, nas quais muitos se referiram ao feito como “pirataria televisiva”.
Apesar de o caso ter sido tratado de forma cômica pela mídia, as autoridades não encararam a situação de maneira espirituosa. O então diretor de engenharia da WGN, Robert Strutzel, disse em entrevista ao Chicago Sun-Times que a ação foi digna de um especialista.
“Isso não é o tipo de coisa que é feita por alguém no porão de sua casa. É preciso ter um equipamento de micro-ondas sofisticado em níveis de alta potência para superar nossa instalação. E a margem de erro é muito pequena”, declarou ele, enfatizando que era necessário conhecimento especializado de um engenheiro de televisão para a operação.
Em contraponto, os agentes da Comissão Federal de Comunicações (FCC) acabaram descobrindo que a ação do hacker não foi muito complexa. Ele teria colocado sua própria antena parabólica entre a torre de transmissão da emissora e interrompido o sinal original apenas com um bom posicionamento e timing perfeito, sem precisar de equipamentos caros ou estudo técnico aprofundado.
Phill Bradford, então porta-voz da FCC, afirmou em rede nacional que a pessoa por trás da máscara de Max Headroom pagaria uma multa de US$ 100 mil se localizada, além de ter que enfrentar 1 ano de prisão. No entanto, o governo jamais encontrou o hacker, tampouco qualquer pista de sua identidade.
Enraizado na cultura popular norte-americana, o incidente hacker de Max Headroom ecoa no conceito de vigilantismo virtual adotado pelo Anonymous e também na trama do filme distópico V de Vingança.