Ciência
05/08/2021 às 05:00•4 min de leitura
As Olimpíadas de Tóquio estão rendendo muitas alegrias para os torcedores brasileiros, como o bicampeonato olímpico na vela, as medalhas de Rebeca Andrade na ginástica, a alegria de Alison dos Santos, as transmissões do skate — só para mencionar algumas.
O Brasil está com 15 medalhas até essa quarta-feira (04), só 4 a menos do que o total da Rio 2016 (nosso melhor desempenho até hoje), e ainda há mais alguns dias de competição, com mais possibilidades.
Mas se a gente olhar o quadro de medalhas das Olimpíadas, o Brasil está com quatro outros. As grandes potências olímpicas têm muito mais: China tem 32, Estados Unidos tem 25 e Grã-Bretanha tem 15. Cuba (5) e Nova Zelândia (6) têm mais ouros do que nós, e a Hungria tem a mesma quantidade. Olhando para o histórico, o Brasil tem um total de 30 ouros, um a menos do que o Quênia, um país menos populoso e mais pobre.
Aí que vem o questionamento: com tanta gente — e talentosa! — por que o Brasil não está lá em cima no quadro de medalhas, com China, Estados Unidos e Grã-Bretanha?
Ana Marcela Cunha ganhou o quarto ouro do Brasil em Tóquio. (Imagem: Agência Brasil/EBC)
Matemáticos e estatísticos que estudaram os quadros de medalhas das Olimpíadas observaram quatro fatores que influenciam no desempenho de um país:
Esse último ponto é polêmico, sabemos, mas a relação é simples: esses regimes costumam investir muito nos esportes, em busca de heróis para o país. A Rússia foi comunista e continua sendo uma potência olímpica até hoje, e a China virou líder do quadro de medalhas com investimentos estatais.
Porém, a Grã-Bretanha não é comunista e seu desempenho começou a melhorar muito quando seu governo criou uma loteria que direcionava toda a verba para o esporte. O investimento passou de 5 milhões de libras anuais para 274 milhões, e o time pulou do 36º lugar no quadro de medalhas, em 1996, para o 2º na Rio 2016.
A Austrália e o Japão são exemplos do fator "país-sede", já que o governo investe mais no esporte para "fazer bonito em casa", e o próprio clima olímpico impulsiona a cultura do esporte na região. A Austrália cresceu muito quando sediou Melbourne, em 1956, e voltou a crescer às vésperas de Sydney, em 2000, mantendo-se relevante até hoje. Já o Japão está voando nas Olimpíadas de Tóquio, mas já tinha tido um bom desempenho na Rio 2016.
Também é interessante observar que muitas dessas potências (como a Austrália) são ótimas em esportes individuais: um nadador australiano competiu em várias provas e conquistou várias medalhas em um dia. Já um baita time de futebol ou vôlei conta apenas com um ouro no quadro de medalhas ao final da competição.
Claro que a gente vibra muito com as conquistas do vôlei e do futebol, mas, se o Brasil quiser ficar lá em cima no quadro de medalhas, tem que focar também nesses esportes que rendem mais medalhas.
A Grã-Bretanha se tornou uma potência olímpica com investimentos da loteria. (Imagem: Team GB/Reprodução)
A verdade é que o Brasil já é uma potência olímpica, sendo classificado por especialistas como uma potência emergente, que está melhorando e pode crescer ainda mais nas próximas Olimpíadas. É só lembrar que, em Sydney 2000, há 20 anos, voltamos para casa sem nenhum ouro. Veja a evolução a seguir.
Além disso, o Brasil vai bem em uma variedade de esportes: temos a tradição no vôlei e na vela, talentos na ginástica, no skate, no surfe e no judô, por exemplo. Já países como Quênia e Hungria se garantem em poucas modalidades: 30 dos 31 ouros do Quênia são do atletismo, e a maioria dos da Hungria são na canoagem, esgrima e natação.
A melhora do Brasil pode ser atribuída a um aumento nos investimentos com a criação do Ministério do Esporte nos anos 1990 e o direcionamento de verbas da loteria para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Além disso, há um trabalho das Forças Armadas no esporte, com diversos atletas usando instalações militares para treinar, assim recebendo como soldados.
O complicado é que essas verbas da loteria são só 2% da Mega Sena, e o ministério foi extinto pelo atual governo, em 2019. Eram necessários mais investimentos para que um número maior de atletas pudesse realmente viver do esporte e treinar em alto nível.
A verdade é que o time do Brasil está melhorando nas últimas Olimpíadas. (Imagem: ANOC/Reprodução)
Isso porque 42% dos 309 atletas brasileiros, em Tóquio, não tem nenhum patrocínio. Além disso, outros 19% se viram com menos de 2 mil reais por mês, cerca de 10% dos atletas olímpicos do Brasil precisam de outras profissões para viver — alguns são motoristas de app — e 13% tiveram que "fazer uma vaquinha" para ir a Tóquio. Os números são de um levantamento do Globo Esporte com os próprios atletas.
Então os nossos guerreiros juntam dinheiro fazendo corrida em app e treinando nas horas vagas, para chegar lá e competir com um chinês, um russo ou uma britânica que têm muito dinheiro (de patrocinadores ou do governo), tempo para treinar e com os melhores equipamentos. Nesse cenário, muitas das medalhas que o Brasil inteiro comemora são resultado da superação individual do atleta, e não de uma estratégia do país.
Claro que, para o Brasil se tornar uma potência olímpica, é importante investir além dos atletas de elite, incentivando os esportes desde a infância e aumentando a estrutura de competições de base. Um exemplo disso são os Estados Unidos, com grandes equipes escolares e universitárias, que revelam atletas olímpicos.
Em resumo, o Brasil até vai muito bem para suas condições, mas, se o país investir mais no esporte, pode ir muito além.