Ciência
04/09/2021 às 13:00•3 min de leitura
Em 30 de outubro de 1969, o militar Emílio Médici ascendeu ao poder como o 3° presidente do Brasil corrompido pela ditadura militar instaurada por meio do Golpe de 1964. Ele foi considerado o responsável por administrar o tão famoso boom econômico que o país teve na época — o que é um artifício usado até hoje por aqueles que endossam o período e o apoiam como “a melhor época”.
“O governo militar, quando assumiu em 1964, enfrentou um período de bastante desorganização da economia, com desequilíbrio fiscal, inflação alta e desemprego. Havia um desgaste muito grande no modelo econômico anterior com o Plano Trienal”, disse o professor de história econômica da Insper, Vinicius Muller, em entrevista à BBC News Brasil.
“Eles conseguiram modernizar a economia, mas isso teve um alto preço, que acabou sendo pago após a redemocratização como hiperinflação e dívida externa estratosférica", ressaltou Muller.
(Fonte: Istoé Dinheiro/Reprodução)
Por 5 anos, a oposição teve que lidar com a propaganda do regime sobre o crescimento acelerado, o "distanciamento do comunismo”, conduzido pela administração do ministro da fazenda Antônio Delfim Netto, que atuava desde o governo Costa e Silva.
Contudo, esse até hoje enaltecido "crescimento" das contas brasileiras não foi fruto de nenhum milagre inexplicável desempenhado pelo “pulso firme” dos militares, muito pelo contrário.
Emílio Médici. (Fonte: Acervo Globo/Reprodução)
Sem se importar com os trâmites legais do programa, esse projeto nacional de modernização a qualquer custo idealizado, chamado Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), teve como principais eixos a expansão do crédito, o investimento na centralidade do Estado, o incentivo às grandes empresas privadas ligadas aos poderosos, entre outras reformas.
O protagonista desse “milagre” foi a quantidade de capital estrangeiro entrando no Brasil, que não recebia investimentos de fora há vários anos devido à instabilidade econômica, à inflação e a consequências administrativas do governo de Jânio Quadros e João Goulart.
Com o volume de investimento estrangeiro, as empresas privadas e estatais foram beneficiadas, além das multinacionais, porém todos esses recursos foram usados no seguimento industrial. Surgiram as empresas privadas brasileiras que se baseavam no setor Labour Intensive (pequena demanda de capital e grande de mão-de-obra), enquanto as multinacionais focaram no setor Capital Intensive (forte demanda de capital e pouca de mão-de-obra); e as estatais, por outro lado, investiram em forças armadas, energia e telecomunicação.
(Fonte: Toda Matéria/Reprodução)
Para embasar o rápido crescimento, foi implantada uma política de expansão de mercados interno e externo, com a produção não sendo absorvida apenas pelos brasileiros e países de terceiro mundo, mas também pelos países industrializados, como Estados Unidos (EUA) e Europa.
A partir disso, o governo de Médici ficou inflamado pelo ufanismo nacionalista e pela ideia da "construção do Brasil potência", que chegaria ao primeiro mundo utilizando como apoio as novas medidas do governo. Toda a campanha foi marcada por frases de efeito de cunho patriótico como: "Para frente Brasil", "Ninguém segura este país", "Brasil: Ame-o ou deixe-o".
(Fonte: Toda Matéria/Reprodução)
“Os militares alcançaram resultados bem-positivos do ponto de vista econômico na primeira metade do regime: conseguiram controlar a inflação (em um primeiro momento), aumentaram a produtividade da economia, modernizaram a máquina pública e o parque industrial”, disse o professor Guilherme Grande, da FEA-USP, à BBC News Brasil.
A partir de 1968, o Produto Interno Bruto (PIB) do país atingiu 10% de crescimento em um ano, índice nunca alcançado. Antes disso, já havia sido criado o Fundo de Garantia (FGTS) e o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que levaram à poupança compulsória por parte dos contribuintes e à centralidade das operações de crédito. Para alimentar a falsa sensação de subida, o governo não poupou em patrocinar obras faraônicas, como a usina hidrelétrica de Itaipu, a ponte Rio-Niterói e a rodovia Transamazônica.
Por outro lado, o revés de todo esse crescimento "bomba" foi refletido no aumento do endividamento e da inadimplência, acompanhados pelos 340% da subida do crédito ao setor privado. As estatísticas de analfabetismo, mortalidade infantil, desnutrição e outros fatores socioeconômicos foram alavancados também.
(Fonte: Quora/Reprodução)
Conforme Ana Beatriz Ribeiro Barros Silva, durante sua entrevista à revista Mundos do Trabalho, em 2015, nesse período o Brasil se tornou recordista mundial em volume de acidentes de trabalho. Isso porque o milagre econômico de Médici concentrava a renda na mão de poucos, sendo totalmente negligente em relação aos direitos trabalhistas.
O governo militar estabilizou os ganhos dos pobres em salários sempre baixos e favoreceu acréscimo aos rendimentos da classe média e dos profissionais especializados. Todo o tipo de manifestação em busca de melhoria salarial ou condições de trabalho foram desarticuladas pelas ferramentas de repressão do governo.
(Fonte: Congresso em Foco/Reprodução)
A economia se tornou refém do crédito e do preço baixo dos produtos de importação, e essa era a maior causa do milagre econômico, em vez de uma conquista do regime militar. Então, quando o cenário da economia mundial mudou, o "milagre" terminou e levou o Brasil para o fundo do poço.
Em 1971, a Bolsa de Valores Nacional quebrou com uma crise especulativa sem precedentes. Com a crise do petróleo fomentada pela Guerra do Yon Kippur, o Brasil, despreparado e sem investimento na estrutura industrial, aumentou a importação de maneira desregulada e levou a economia brasileira de vez para o buraco.
Em 1974, os juros cresceram com a inflação, o sistema de crédito desmoronou, os produtos internos aumentaram exponencialmente e a dívida externa do país atingiu o recorde de US$ 90 bilhões. Assim, a "onda" de desemprego imensa travou a economia até 1990, quando começou o processo de redemocratização com o fim da ditadura militar.
O milagre econômico de Médici, que alcançou um PIB histórico de tão alto, serviu apenas para fomentar o ditado popular: "quando maior é a subida, maior é a queda" — sobretudo quando essa "subida" não passa de ilusão.