Estilo de vida
25/06/2022 às 05:00•2 min de leitura
A história da moda sempre se equilibrou na linha tênue entre a tendência e o que, literalmente, poderia acabar tirando a vida de alguém. De chapéus pintados com tinta contendo altas concentrações de arsênico a crinolinas de saias tão inflamáveis que incendiavam em questão de segundos, não existia um discernimento sobre o que parecia adequado ou não, apenas que ficar de fora da moda não era uma opção para os ricos, principalmente se tratando de um tempo em que a imagem era tudo o que importava.
A Europa do século XIV viveu um período de intensa chegada de estilos de vestuário e calçados, com tantas cores e tecidos diferentes que até mesmo os ricos levaram um tempo para entender qual seria o assunto do momento.
Os sapatos medievais de ponta longa e pontiaguda chamado poulaines, porém, foi a tendência que os nobres fizeram ficar. Até o final do século XIV, quase todo tipo de sapato era pelo menos um pouco pontiagudo, até mesmo para as crianças. Os limites foram tão ultrapassados em seu uso que o rei Eduardo IV, em meados de 1463, teve que aprovar uma lei limitando o comprimento da ponta do pé a menos de 5 centímetros em Londres — e com isso, claro, vieram os problemas.
(Fonte: Rijksmuseum/Reprodução)
Um estudo publicado no International Journal of Paleopathology, uma equipe de pesquisadores descobriu que o uso de poulaines desencadeou uma espécie de "praga dos joanetes" em toda a sociedade medieval, visto que a pesquisa clínica moderna já mostrou que o desenvolvimento da lesão está frequentemente associada ao uso de calçados apertados demais ou mal ajustados — muito embora algumas pessoas tenham uma predisposição genética para o desenvolvimento de joanetes.
Dos 1.977 restos esqueléticos individuais de pessoas que viveram entre os séculos XI e XIII, escavados em Cambridge e examinados por Jenna Dittmar e Piers Mitchell, coautores da pesquisa, pelo menos 18% deles tinham joanetes, e isso foi muito antes dos poulaines entrarem na moda. Por outro lado, os restos mortais daqueles que morreram no auge da moda, entre os séculos XVI e XV, 27% deles sofriam da lesão, deixando claro que o sapato fez total diferença na qualidade de vida da sociedade da época.
(Fonte: ZU_09/Getty Images)
“Os restos esqueléticos exibem sinais osteológicos muito claros de que os dedos dos pés foram empurrados lateralmente. Há buracos no osso sugerindo que os ligamentos estavam se afastando. É doloroso só de olhar”, disse Dittmar, em entrevista à CNN.
O uso do sapato também aumentou a frequência de quedas e fraturas de braços, como resultado de tentar se segurar depois de uma caminhada complicada, visto que os usuários acabavam tropeçando nos próprios pés devido aos inchaços ósseos acumulados pela deformidade. Geralmente, esse problema era mais frequente em pessoas acima de 45 anos, quando a idade já afetava sua coordenação e equilíbrio.
(Fonte: Universidade de Cambridge/Reprodução)
Após surgir nas cortes reais de Cracóvia, na Polônia, em 1340, os poulaines foram moldados em couro, veludo, seda, metal e outros materiais requintados da época, como musgo, lã, cabelo ou barbatana de baleia para que não perdessem a forma.
Os homens ricos eram adeptos dos sapatos pesados, que serviam para enfatizar o quanto não poderiam exercer nenhum tipo de trabalho físico, e deveriam permanecer no eterno ócio como parte de seu privilégio social. Por vezes, o calçado extravagante foi considerado ofensivo, sendo até associado à sodomia, porém, isso não impediu que até os frades agostinianos e monges gastassem dinheiro neles.
A Igreja se opôs à entrada deles nesse tipo de tendência, sobretudo, em uma que poderia ser considerada tão "vulgar", mas os registros históricos mostraram que eles ignoraram os pedidos de Roma quando se tratava do assunto. De longe, esse pode ter sido o maior ato de influência e até insurreição, mostrando o quanto qualquer um pode estar sujeito aos vícios da moda.