Ciência
24/06/2022 às 10:00•3 min de leitura
Se as roupas têm história, dá para dizer que o espartilho (aquela peça do vestuário que aperta a cintura e imobiliza a coluna) tem uma vasta história política. E embora ele tenha sido ressignificado pela moda e seja adotado até hoje por celebridades, o fato é que o espartilho, muitas vezes, serviu para oprimir as mulheres.
Esta peça do vestuário pode ter sido criada na Antiguidade, mas começou a ganhar destaque quando foi adotada pela realeza europeia na época do Renascimento. Embora tenham sido usados pela aristocracia, os espartilhos (chamados originalmente de corsets) também começaram a ser vestidos por mulheres burguesas que queriam diminuir a cintura e ressaltar os seios.
No período da Regência britânica, entre 1795 e 1837, a peça foi totalmente integrada à sociedade inglesa (e é por isso que as mulheres da série Bridgerton estão sempre vestindo uma). Tornou-se tão popular que até as trabalhadoras passaram a usá-la.
(Fonte: The Costume Rag)
E foi por esta época também que começou a preocupação sobre os danos que o espartilho poderia trazer. Alguns médicos culpavam o item por causar doenças respiratórias, deformações nas costelas, danos aos órgãos e até provocar abortos espontâneos.
Isto aconteceria por conta da rigidez da peça. Era comum que fossem feitos com ferro, mantendo as mulheres em uma postura estática. Além disso, eram criados para serem apertados ao máximo, de modo a deixar a cintura o mais fina quanto fosse possível.
Por conta disso, a peça começou a ser contestada por ativistas dos direitos das mulheres, que criticavam a expectativa de que as mulheres vestissem espartilho o tempo todo - até quando estavam cuidando dos filhos e da casa.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Ou seja, aos poucos, as mulheres começaram a se dar conta que aquela peça, vista como um símbolo de feminilidade, servia para (literalmente) oprimi-las. No filme Enola Holmes, da Netflix, que se passa em 1884, a personagem define a roupa: "o espartilho é um símbolo de repressão para aquelas que são forçadas a usá-lo".
Por conta disso, os corsets começaram a perder a popularidade após a Primeira Guerra Mundial. Na verdade, eles não deixaram de existir, mas deixaram de ser obrigatórios e começaram a ser fabricados com materiais mais soltos e flexíveis, como elásticos e fitas.
A queda do espartilho no vestuário não significou que as mulheres pararam de se preocupar com a modelagem do corpo. As cintas modeladoras e os sutiãs apertados foram inseridos nas possibilidades de roupas que uma mulher pode comprar para apertar o seu corpo, e estão aí até hoje.
(Fonte: We Fashion Trends)
Depois que o espartilho começou a ser visto sob crítica, aconteceu um fenômeno interessante: ele passou a ser ressignificado pela indústria da moda. Alguns designers começaram a criar novas versões da peça e a colocaram novamente sob os holofotes, agora carregando novos sentidos.
Estilistas como Vivienne Westwood e Jean-Paul Gaultier criaram roupas que recolocavam o corset não mais em um contexto de opressão, mas de empoderamento. Um exemplo disso é o look icônico que a cantora Madonna usou na turnê Blonde Ambition, elaborado por Gaultier, e que ajudou que o espartilho no imaginário coletivo - mas agora associado a uma ideia de poder feminino.
Ou seja, depois de séculos simbolizando a opressão das mulheres, a peça foi adotada por novas estéticas mais agressivas e passou a ser compreendida como uma ferramenta voltada à libertação. Este objetivo também é concretizado pelo seu uso por celebridades consideradas "estranhas", como a cantora Billie Eilish. Ou seja, de peça opressora, passou a ser vista como um item de vestuário fetichista, ligado à autoexpressão e ao domínio do próprio corpo.
No baile Met Gala de 2022, que tinha como tema "A Era Dourada" (que corresponde aos Estados Unidos no final do século XIX), muitas pessoas compareceram vestindo um corset. Celebridades como Bella Hadid, Kerry Washington, Lizzo e até Lenny Kravitz compareceram à festa vestindo um.