Ciência
22/08/2022 às 12:00•4 min de leitura
Quando você ouve a palavra Playboy, rapidamente, sua mente associa a uma gama de mulheres nuas ou em posições provocantes distribuídas por páginas de uma revista de conteúdo adulto que fez muita fama no século passado e nos primeiros anos de 2000 – mas não é só sobre isso.
Fundada por Hugh Hefner em 1953, a revista se tornou um arauto pioneiro na contracultura americana, redefinindo valores sexuais de uma época em que havia muito tabu sobre os corpos femininos e a busca pelo sexo; endossando a liberdade de expressão através de matérias que abordavam todos os tipos de assuntos vinculados ao desejo sexual e a saúde.
(Fonte: Daily Mail/Reprodução)
A publicação chegou a circular mais de 5 milhões de cópias no auge de sua fama, em 1976, se transformando em uma marca hoje mundialmente famosa. A Mansão Playboy, antiga casa de Hefner, que morou lá até sua morte em 2017, era localizada em Holmby Hills, Los Angeles, e ficou conhecida na década de 1970 por sediar festas luxuosas e luxuriosas, repleta de celebridades e socialites. Além disso, era a morada de todas as namoradas do homem, que realizou realities shows, como Girls Next Door, para panfletar como era sua vida.
Contudo, por trás de toda essa ideia de empoderamento feminino, se escondia uma faceta obscura – porém previsível – de abusos, submissão, machismo extremo, opressão, humilhações e todos os tipos de absurdos psicológicos em uma atmosfera cercada por luxo, dinheiro e poder de quem podia exercer.
Hugh Hefner. (Fonte: Mural Cultural/Reprodução)
A história de um jovem ambicioso de apenas 27 anos, que abandonou seu emprego como redator na revista Esquire após ser negado um aumento de US$ 5, e que hipotecou os móveis do que seria seu primeiro casamento, pegou dinheiro emprestado e usou todas suas economias para publicar a primeira edição da Playboy –, é, no mínimo, inspiradora.
Mas a jornada de Hefner na indústria, principalmente no que envolve as mulheres, é bem menos convidativa ou inspiradora quando a revista ganhou independência e se tornou um empreendimento imenso, principalmente conforme o fundador foi ganhando mais idade e dinheiro.
A série de abusos e crimes relatados na série de 12 episódios da A&E, Segredos da Playboy, mostra que o homem nada entendia sobre as mulheres, apenas reforçando a mesma estrutura de machismo em que foi socialmente criado e ensinado, apesar de ter olhando uma vida inteira por entre as costuras.
(Fonte: TN/Reprodução)
Holly Madison, que namorou Hefner por 8 anos, no período em que morou em sua mansão em Los Angeles e integrou o time das famosas Coelhinhas da Playboy, revelou na série e em seu livro de memórias, Down the Rabbit Hole: Curious Adventures and Cautionary Tales of a Former Playboy Bunny, que o homem surtou e foi violento simplesmente porque ela decidiu mudar o visual cortando o cabelo um pouco mais curto do que ele gostava.
Stefan Tetenbaum, que trabalhou como manobrista pessoal do empresário de 1978 a 1981, alegou que as mulheres eram proibidas de manter contato com qualquer pessoa além dele, até mesmo dos funcionários da casa, fossem homens ou mulheres, visto que trabalhavam para ele e não para elas. Além disso, Hefner também os tratava como se fossem lixo.
Holly Madison. (Fonte: EW/Reprodução)
Em entrevista para o seriado, Tetenbaum disse que as mulheres e os funcionários eram constantemente monitorados por câmeras e microfones ocultos por Hefner para que não dissessem nenhuma coisa que pudessem os comprometer.
O cerco era tão grande e sério que o homem contratou ex-policiais para trabalharem na segurança da mansão, mas a maioria deles eram detetives, que ficavam atentos a qualquer tipo de comportamento considerado suspeito ou incomum.
Jennifer Saginor publicou em 2005 o livro Playground: A Childhood Lost Inside the Playboy Mansion, relatando tudo de ruim que sofreu na Mansão Playboy durante o tempo em que morou lá desde os 6 anos – porque seu pai era médico pessoal do homem –, tendo ainda que lidar com a perseguição de Hefner para tentar impedir que as pessoas soubessem da verdade.
Para isso, ele mantinha arquivos sobre todo mundo para intimidação, sempre usando do dinheiro e do privilégio de sua posição para tirar algum proveito. “Muitas coisas foram feitas para calar as pessoas e tirá-las do caminho”, afirmou Sondra Theodore, que namorou o empresário por 6 anos.
Entre tudo o que sofreu, Saginor teve que lidar com as propostas indecentes de Hefner, que a perseguiu quando jovem, sugerindo que ela e sua namorada mantivessem relações sexuais a três com ele.
Miki Garcia. (Fonte: News Unzip/Reprodução)
Tudo isso e muito mais problemas aconteceram por anos, oculto pelo sistema de proteção pesado de Hefner, o medo que ele inspirava, e pela atmosfera de culto ao seu nome.
Em um ponto da entrevista para série, Madison chegou a descrever a vida na mansão como a inspirada por Charles Manson e seus asseclas, que seguiam tudo o que ele dizia sem questionar, enquanto fingiam ser uma grande família feliz.
Como explicou Miki Garcia, Playmate e chefe de promoções da Playboy de 1973 a 1982, devido à maneira como Hefner cercava as mulheres, muitas modelos tiveram overdoses ou cometeram suicídio.
"Teve um momento em minha vida após ter deixado a mansão, que eu simplesmente queria me afogar na banheira porque sentia estar presa naquele ciclo de miséria", confessou Madison.
(Fonte: Los Angeles Times/Reprodução)
Ela teve que vivenciar e testemunhar anos de abuso sexual e estupro entre as Coelhinhas que eram perseguidas por membros dos clubes privativos da Playboy, visto que os homens não podiam tocá-las dentro do local. No entanto, estavam "livres para fazer o que desejassem" assim que elas cruzassem a porta de saída. Aquelas que denunciaram a situação acabaram demitidas.
A série expôs ainda relatos de que Hefner esteve envolvido com filmes snuff (que mostram mortes e assassinatos reais), zoofilia, necrofilia, e outros tipos de bestialidades envolvendo práticas sexuais.
Essa quantidade de informação gerou um debate imenso entre pessoas que acham que as mulheres "atraíram o que procuraram" e outros que as enxergaram como verdadeiras vítimas.
Sobre isso, Garcia se posicionou: "Acho que Hefner deveria ser conhecido pelo trabalho incrível que fez com os direitos civis, embora não tenha respeitado os nossos como mulheres. Ninguém é perfeito, mas suas imperfeições são monstruosas".
Ela ainda ressaltou que os erros do homem devem ser adicionados ao seu legado, agora que as mulheres são livres para falar sobre tudo, apesar de nenhuma delas ter sido curada do que sofreram. Garcia espera que a série documental possa cicatrizar essa ferida de alguma forma para todas as mulheres, inclusive ela, que passaram anos nas sombras, sofrendo e morrendo pelo que Hefner fez.