Estilo de vida
06/02/2023 às 08:00•3 min de leitura
Entre os séculos XVIII e XIX, a Europa testemunhou um movimento que devastou os cemitérios: a prática de roubo de corpos. Por muito tempo, o que hoje é considerado um crime, foi tido como algo comum, mas necessário, considerando os avanços vorazes da medicina.
Em meio aos ladrões comuns que costumavam violar os túmulos para roubar joias, dinheiro e outros bens, se espalhou rapidamente uma indústria de criminosos especializados em violar essas sepulturas para roubar o próprio cadáver, com o patrocínio das grandes universidades da época. Tudo para que o corpo fosse usado no campo médico para ensino dos alunos e análise da anatomia humana.
(Fonte: The National Archives UK/Reprodução)
Hoje em dia, um corpo só pode ser utilizado se, em vida, a pessoa oferecê-lo de bom grado à pesquisa científica após a morte ou se os familiares assim desejarem. Isso é chamado de intermediação corporal. Não é como a doação de órgãos, mas sim quando um corpo inteiro é doado e pode ser usado para fins educacionais ou de pesquisa.
Em 2014, um esquema criminoso despertou pânico nas pessoas que optam por contribuir para a ciência. Cadáveres doados ao Centro de Recursos Biológicos (CRB) foram vendidos para serem usados em testes militares sem o consentimento dos doadores.
Stephen Gore. (Fonte: Maricopa County Sheriff's Office/AP/Reprodução)
Estabelecido em Phoenix, no Arizona, o CRB era propriedade de Stephen Gore e tinha o objetivo de receber os cadáveres de pessoas que quisessem doar seu corpo à ciência. Foi assim quando Jim Stauffer decidiu doar o corpo de sua mãe, Dorris. Ele chegou a preencher uma extensa papelada que, inclusive, proibia que o corpo dela fosse usado em qualquer tipo de experimento não médico.
No entanto, isso não impediu que a organização vendesse o cadáver para os militares do Exército dos EUA explodirem em testes de impacto de bombas nas estradas, devolvendo para a família Stauffer nada mais do que as cinzas da mão da mulher.
Há anos o CRB vendia cadáveres e partes de corpos sem o consentimento ou conhecimento das famílias da pessoa falecida. A empresa chegava a lucrar em média mais de US$ 5 mil com um corpo vendido, sendo que apenas um torso poderia sair por US$ 3 mil.
O comércio acelerado que Gore fazia dos corpos, impulsionado pelo alto poder de compra do governo norte-americano, fez a sua indústria se expandir também para quando os cadáveres não morreram em condições saudáveis.
(Fonte: KPNX/Reprodução)
No aeroporto de Detroit, em Michigan, os carregadores de bagagem da companhia aérea Delta Airlines entraram em contato com a polícia ao detectarem dois refrigeradores vazando fluídos. Ao chegar no local, as autoridades descobriram 8 cabeças decepadas, uma das quais a perícia alegou pertencer a uma pessoa que morreu de sepse bacteriana e pneumonia por aspiração.
O endereço nos refrigeradores levou os agentes do FBI a Arthur Rathburn, um corretor de corpos que trabalhava para Gore. Foi assim que os federais abriram uma investigação para apurar o negócio perverso e altamente lucrativo do empresário.
(Fonte: 12News/KPNX/Reprodução)
Ao longo da operação, os agentes se depararam com verdadeiras montanhas de partes de cadáveres sem identificação nas instalações da CRB. Segundo uma matéria da ABC Arizona, havia baldes de cabeças e membros em meio a congeladores cheios de pênis armazenados.
Foi nesse contexto triste e perturbador que as famílias que doaram corpos para o centro de Gore descobriram o que estava acontecendo. O Exército se pronunciou alegando que não fazia ideia que os cadáveres estavam sendo comercializados sem consentimento dos doadores, e salientou que fazem o uso de corpos vivos há anos para aprimorar tecnologias militares — uma vez que manequins de testes não retratam com precisão as feridas causadas por impactos e explosões.
(Fonte: American Security Today/Reprodução)
O Exército identificou 34 corpos envolvidos no experimento de explosão, usados sem permissão dos doadores, com formulários de consentimento que não foram revisados de maneira consistente ou diferentes daqueles submetidos aos doadores e entes queridos.
“O Exército foi tão vítima das práticas comerciais do CRB”, disse Randu Coates, um engenheiro civil da instituição, à BBC. Desde que o caso veio a público, a taxa de submissão de corpos à ciência nos EUA diminuiu drasticamente.