Lucro e mentiras: a verdade por trás do Guinness World Records

24/01/2024 às 14:004 min de leitura

Para o cidadão médio comum, entrar para o Guinness Book of World Records, mais conhecido como o "Livro dos Recordes", é como ganhar um Oscar. O livro se tornou referência mundial ao cobrir todos os tipos de registros sobre o mundo e seus habitantes em termos de curiosidades. Já foi traduzido para mais de 40 idiomas, vendendo uma média de 3,5 milhões de cópias anualmente e mais de 150 milhões ao longo de quase 70 anos de história, o que faz dele um dos livros com direitos autorais mais vendidos de todos os tempos.

E tudo começou como uma brincadeira, quando Hugh Beaver, dono da cervejaria Guinness Brewery, no coração da Irlanda de 1951, entrou em uma discussão sobre se a tarambola-dourada era ou não a ave de caça mais rápida da Europa. Ele chegou a procurar em livros uma resposta completa e clara, mas não encontrou e isso deu-lhe a ideia de criar um.

Os gêmeos McWhirter. (Fonte: GettyImages/Reprodução)Os gêmeos McWhirter. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

O atleta Chris Chatway, que trabalhava para Beaver na época, recomendou que ele procurasse os gêmeos Norris e Ross McWhirter, jornalistas esportivos autodidatas fascinados por quebra de recordes e curiosidades em geral. Eles aceitaram a ideia e, como resultado, em 27 de agosto de 1955, foi publicado o The Guinness Book of Records em uma edição com 198 páginas e cerca de 4 mil curiosidades e recordes que foram curados e checados pelos irmãos. O livro se tornou um best-seller na Inglaterra em apenas quatro meses.

A ampla popularidade do livro, de certa forma, encorajou os leitores a estabelecerem novos recordes próprios em vários campos. Com o passar do tempo, o crescimento do Guinness "saiu" de controle e seu objetivo foi transformado. 

Essa é a verdade por trás da história do Guinnes World Records

Entrando para a história

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Segundo o próprio Guinness, algumas pessoas estabelecem como meta entrar para o livro porque essa é uma maneira de nos medirmos. Conhecer “o maior, o menor, o mais rápido, o mais e o menos” ajuda o ser humano a entender sua posição no mundo e como se encaixa na estrutura social das coisas.

"Todo mundo quer ser famoso. E, de certa forma, embora eu não ache que você realmente se torne famoso, pela percepção do recordista é uma maneira de ser imortalizado", disse Larry Olmsted, que já apareceu duas vezes no Guinness por jogar pôquer por 72 horas consecutivas, em entrevista à VOA Learning English.

Em seu livro Entrando para o Guinness: a mais longa, mais rápida e mais louca jornada de um homem em um dos livros de recordes mais famosos do mundo, Olmsted revelou também que muitas pessoas ficam tão surpresas quanto ele ficou quando descobrem que pouquíssimos registros de recordes são publicados na edição anual do livro, gerando uma cadeia de decepção nos concorrentes.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Para os interessados em quebrar um recorde, existe uma aba no site do Guinness chamada "Set a Record", em que fica claro que o recorde deve ser demonstrável, quantificável e quebrável. A edição ouve milhares de pessoas por ano que querem estabelecer um recorde e os funcionários levam mais de um mês para decidir se aceitarão uma tentativa de quebra de recorde, rejeitando cerca de 80% dos pedidos.

Quando aceitam uma proposta, enviam instruções detalhadas sobre como confirmar que um registro foi definido. Em alguns casos, avaliadores do Guinness podem testemunhar o recorde, mas, na maioria das vezes, o concorrente precisa registrar uma dupla de testemunhas imparciais. A tentativa de quebra de recorde deve acontecer em local público, e fotografias e reportagens devem ajudar a provar ao Guinness que um novo recorde foi estabelecido.

A verdade

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Se você está se perguntando como o Guinness sobrevive à era da internet, que transborda seus usuários com todos os tipos de informações, a resposta está na maneira como ele se transformou em um comércio. A popularização da internet fez diminuir as vendas do livro, portanto, a empresa teve que encontrar novas maneiras de ganhar dinheiro em 1997, logo que se fundiu com o conglomerado Grand Metropolitan, formando a Diageo, que passou a operar como um negócio autossustentável.

Nada disso agradou a velha guarda do Guinness. Anna Nicholas, ex-chefe de relações públicas do livro nas décadas de 1980 e 1990, disse ao The Guardian que não concorda com o teor sensacionalista e apelativo que o livro adotou para tentar manter seu público.

“Eles perderam a integridade intelectual que os criadores tinham”, disse Alasdair McWhirter, filho de Norris McWhirter, um dos gêmeos criadores do livro, em entrevista ao The Guardian.

É por isso que muitos fãs alegam que o Guinness não teve remorso algum em perder seu público dedicado. A começar pelo fato que a organização passou a se autointitular "uma autoridade incomparável no mundo em conquistas de recordes", algo comprovadamente falso. 

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Não só isso incomodou como também a maneira como a empresa passou a reconhecer conquistas cada vez mais sem sentido apenas para faturar às custas daqueles que desejavam “entrar para a história” ao figurar em uma das seções do livro. Afinal, é cobrado uma taxa daqueles que querem que seus recordes sejam reconhecidos, estabelecendo pacotes premium com direito a reconhecimento rápido – visto que a gratuidade leva tempo –, acompanhamento profissional e a presença de um jurado da empresa. Os preços começam a partir de US$ 800, cerca de R$ 4 mil.

E para aumentar ainda mais a receita da empresa, em 2009 foi criada a GWR Consultoria, que oferece serviços de adjudicação aos seus clientes por taxas que começam em 11 mil euros, aproximadamente R$ 60 mil. É assim que o Guinness paga os seus mais de 400 funcionários espalhados de sua sede no centro de Londres a escritórios em Nova York, Dubai, Tóquio e Pequim.

O que o Guinness tem feito é o mesmo papel que o Ripley’s Believe It or Not!, um portal de curiosidades que passou a se declarar uma enciclopédia como parte de uma estratégia de marketing. Ambos nunca foram uma autoridade em nada que publicaram, tampouco foram formal e legalmente reconhecidos assim, diferentemente do que acontece com a World Athletics, um órgão internacional que rege o atletismo e seus recordes.

O que aconteceu para que o Guinness World Records adquirisse uma reputação sólida a ponto de parecer até um órgão governamental fact cheker do absurdo foi um bom posicionamento de marca, da mesma forma que lojas de fast fashion, como a Zara, passam aos seus consumidores a ideia de que estão consumindo algo requintado e caro, quando, na verdade, não estão.

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