Bahnhofsviertel: Alemanha possui uma 'cracolândia' no coração de Frankfurt

07/10/2024 às 15:004 min de leituraAtualizado em 07/10/2024 às 15:00

A Alemanha possui um problema. Há cerca de 20 anos, grandes cidades do país, como Frankfurt, Hamburgo e Hanover, foram introduzidas ao crack, a terceira droga mais viciante do mundo, segundo um levantamento de 2007 feito pelo pesquisador David Nutt e publicado na The Lancet. Cerca de 21% das pessoas que experimentam a substância se tornarão dependentes químicos dela em algum momento de suas vidas.

Em 2016, o governo alemão começou a sofrer com uma verdadeira epidemia de crack, conforme foi se espalhando pelo oeste do país devido ao aumento da produção colombiana da cocaína (da qual o crack é derivado), diversificação do mercado e de seus produtores. A droga se infiltrou na Europa por meio de portos marítimos, como da Antuérpia, na Bélgica; de Roterdã, nos Países Baixos; e Hamburgo, na Alemanha, fazendo do continente uma das redes criminosas mais eficientes do mundo.

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O crack é considerado a terceira droga mais viciante do mundo. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

Não é para menos que o mercado ilícito de cocaína no Reino Unido, por exemplo, gera cerca de 4 bilhões de euros por ano para gangues criminosas, segundo relatório da Agência Nacional de Crime do Reino Unido. Como consequência, o vício e o problema de saúde pública aumentaram. Globalmente, cerca de 35 milhões de pessoas sofrem de transtornos por uso de drogas e necessitam de serviços de tratamento, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

Daniel Deimel, pesquisador em dependência química, deixou claro que agora a cocaína é usada por muitas pessoas de classe média e é quase normalizada, o que seria consequência de uma sociedade de alto desempenho. 

Ao estudar a cena de drogas na cidade de Cologne, na Alemanha, Deimel descobriu que quase todos os usuários de cocaína haviam fumado crack em algum momento. A maioria sem-teto, muitos relataram problemas psicológicos maciços envolvendo o crack, como paranoia. Isso explica, por exemplo, o motivo pelo qual a Alemanha possui uma cracolândia em Frankfurt.

A inundação

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O crack é a mistura de cocaína, bicarbonato de sódio e alguns enchimentos químicos variados. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

Introduzido na década de 1970, o crack foi criado como uma alternativa mais barata à cocaína e tem o formato de pedras de cor clara, por isso os usuários também o chamam de "branco" além de "pedra". Ao ser aquecida, as pedrinhas estalam – eis o motivo do nome – e a mistura de cocaína, bicarbonato de sódio e enchimentos químicos variados surtem efeito em menos de 10 segundos. É mais rápido do que qualquer outra droga, mas a sensação que provoca, a denominada "brisa", some tão rápido quanto, sendo facilmente viciante.

O pior é que anos de pesquisa revelaram que ainda não existe um antídoto para a dependência ao crack. Outra droga muito viciante, a heroína possui a metadona como tratamento assistido por substituição, mas nenhuma outra substância se mostrou eficaz no combate ao vício em crack.

Em 2022, a Alemanha registrou quase 2 mil mortes relacionadas ao abuso de drogas, o maior número em duas décadas, sendo que a overdose de cocaína e crack aumentaram para mais de 400. Segundo o Centro de Ajuda às Drogas de Dusseldorf, no oeste do país, mais de 31 mil viciados em crack passaram pela instalação em 2023. 

Até pouco tempo, o crack era uma droga bastante rara no país e, apesar de a imprensa alertar – de maneira até um pouco sensacionalista – que a substância estava prestes a varrê-los como uma inundação, não se espalhou além de Frankfurt. Mas as coisas mudaram e aquele tom alarmante da década de 1980 finalmente os alcançou.

A ferida de Frankfurt

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O distrito de Bahnhofsviertel é a cracolãndia da Alemanha. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

O distrito de Bahnhofsviertel, vizinho a principal estação de trem de Frankfurt, é o lar de mais de 5 mil viciados e 300 traficantes de drogas. É preciso que crianças sejam escoltadas pela força policial em seu caminho até à escola e mesmo os garis precisam receber proteção da polícia.

Para ter uma noção do nível de perigo que Bahnhofsviertel oferece, segundo dados da polícia, metade de todos os crimes da cidade, com 753 mil habitantes, são cometidos em apenas três ruas do distrito, com pelo menos quatro ataques violentos ocorrendo todos os dias.

“Você quase tem vergonha de ser de Frankfurt agora. A porta de entrada para a cidade se parece com o Harlem da década de 1970”, disse Cornelia Bensinger, da associação Pro Alstadt.

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Bahnhofsviertel possui mais de 5 mil viciados e 300 traficantes de drogas. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

Restou apenas cerca de 3.600 moradores da região de Bahnhofsviertel, ou "ferida aberta de Frankfurt”, como os políticos costumam se referir, que já foi o distrito mais prestigiado da cidade. As ruas foram reduto da classe alta até 1945, quando as tropas americanas ocuparam Frankfurt. Os 200 edifícios históricos do distrito fizeram dele um ponto turístico ao longo do tempo, com restaurantes modernos, ativações, bares e outros estabelecimentos para atrair os jovens e turistas. Isso durou até 2017, quando o flagelo da droga se espalhou pela Alemanha, e a pandemia de covid-19 o cimentou.

O status do distrito resultou em uma retração imobiliária drástica. Desde 2019, os preços dos apartamentos subiram apenas 5,1% em comparação com um ganho de 11,4% em toda a cidade, conforme dados da Immobilienscout GmbH

O problema de Bahnhofsviertel

(Fonte: GettyImages/Reprodução)
O crack ainda não possui um tratamento eficaz. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

O que acontece em Bahnhofsviertel ainda não foi resolvido porque o problema é a quantidade de drogas ilegais nas ruas da cidade, não os viciados. 

"O setor social não pode e não deve ser instrumentalizado para corrigir erros de política regulatória. Lute contra os cartéis de drogas, não contra os viciados”, disse Elke Voitl, vereadora de saúde e assuntos sociais, em comunicado à imprensa.

Frankfurt gasta cerca de 13,5 milhões de euros por ano atendendo viciados em drogas e mantendo instalações relacionadas. Desde 1980, a cidade opera no modo "Frankfurt Way", uma campanha de combate às drogas que inclui a distribuição controlada de heroína para os piores viciados, em centros de injeção limpos com agulhas estéreis, bem como a manutenção da metadona.

Embora a cena de drogas em Frankfurt tenha permanecido estável nos últimos anos, o problema se tornou mais visível devido ao crack, que leva a um comportamento mais agressivo e cujo vício é difícil de tratar.

Agora os líderes de Frankfurt estão sendo pressionados para que a ajuda que funcionou muito bem para viciados em heroína nas últimas décadas seja adaptada à dinâmica do uso de crack.

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