Marcas de perfume estão envolvidas na exploração do trabalho infantil

19/06/2024 às 18:004 min de leituraAtualizado em 19/06/2024 às 18:00

Os humanos sempre foram obcecados por aromas. Algumas civilizações antigas, como egípcia, mesopotâmica e indiana, misturavam plantas e resinas aromáticas para formular uma variedade grande de óleos essenciais que eram usados em cerimônias ecumênicas, rituais de embalsamamento, práticas de higiene e até mesmo práticas medicinais.

Em mais de mil anos que a Rota da Seda existiu, conectando o Oriente e o Ocidente para facilitar o intercâmbio comercial de vários produtos entre civilizações diferentes, os perfumes ocuparam uma posição como moeda de troca extremamente valorizada.

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O mercado global de perfumes foi avaliado em US$ 48 bilhões em 2023. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

Além da raridade dos ingredientes, processo de produção e o uso em cerimônias religiosas e reais, a conexão com o exótico foi também um dos fatores que conferiu uma posição de luxo e status aos perfumes, e isso prevalece na indústria moderna. Conforme um detalhamento da Fortune Business Insights, o mercado global de perfumes foi avaliado em US$ 48,05 bilhões em 2023 e deve crescer de US$ 50,45 bilhões em 2024 para US$ 77,52 bilhões até 2032.

Apesar de a França ser considerada a capital do mundo dos perfumes e fragrâncias, os Estados Unidos são os que mais vendem, gerando uma receita de cerca de US$ 8,4 bilhões por ano. Para manter esse nível de produção e faturamento alto, marcas de perfume estão envolvidas na exploração do trabalho infantil.

O lado feio da beleza

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As marcas de fragrâncias de luxo L'Óreal e Esteé Lauder são acusadas de comprar produtos fabricados por crianças. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

As pessoas costumam receber com surpresa a informação de que a indústria de cosméticos está envolvida na exploração da mão de obra infantil, mas não deveriam. Estamos falando de uma estrutura disfuncional que tenta produzir cada vez mais, visando gastar cada vez menos, e com recursos cada vez menores. A devastação ambiental, miséria, doença e morte sãos os denominados custos ocultos do que o movimento das alavancas do longo espectro do corporativismo retribuem para a sociedade.

Já vimos isso sobre a indústria pecuária, cujos dados impressionantes da organização Global Agriculture mostram que 60% das terras agrícolas do mundo são utilizadas para a produção de carne. São consumidas 346 milhões de toneladas da proteína por ano, sendo que há projeções de um aumento de 44% até 2030, alcançando 453 milhões de toneladas anuais, apesar de a carne representar menos de 2% das calorias consumidas na dieta básica. Ainda assim, 768 milhões de pessoas passam fome no mundo.

As contas não são diferentes na indústria da beleza. Estima-se que 30% dos ingredientes encontrados em cosméticos são derivados de commodities mineradas ou agrícolas, como óleo de palma, mica, carité e cacau. Na mineração, 25% da mica, responsável por adicionar o brilho e toque aveludado aos produtos, é oriunda de dois estados indianos, Andhra Pradesh e Rajastão, onde 22 mil crianças trabalham em pequenas minas e depósitos com membros da família.

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Segundo a UNICEF, subiu em 2023 para 160 milhões o número de crianças em trabalho infantil. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

Vendido a cerca de R$ 800 no Brasil e US$ 112 nos Estados Unidos, o perfume "Lancôme Idôle L'Intense", da marca de cosméticos e perfumes Lâncome, do Grupo L’Oréal, teve sua produção associada ao trabalho infantil no verão passado. Todo o jasmim comprado pela empresa para o desenvolvimento do produto veio do Egito, que produz cerca da metade da oferta mundial de flores de jasmim. Os trabalhadores se dizem obrigados a envolverem seus filhos no colhimento porque as marcas de luxo estão apertando os orçamentos, resultando em salários abaixo do normal.

O Grupo L’Oréal não está sozinho nisso. A marca Aerin Beauty, da empresa Estée Lauder, usou dos mesmos fornecedores para lançar seus perfumes "Ikat Jasmine" e "Limone Di Sicilia". Ambas as empresas alegaram ter tolerância zero com exploração do trabalho infantil, porém uma investigação da BBC descobriu que são extremamento falhos os sistemas de auditoria que a indústria de perfumes usa para verificar as cadeias de suprimentos.

Valendo menos do que nunca

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Desde 2016, cresceu o número de trabalho infantil no mundo. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

O relatório de 2020 da Organização Internacional do Trabalho, em associação com a UNICEF, revelou que desde 2016 aumentaram os números de crianças que trabalham para sustentar sua família, ou que foram traficadas, forçadas ou coagidas a trabalhar. Aproximadamente 26% do trabalho infantil está ligado aos mercados globais de exportação, portanto, é cínico demais as corporações assumirem compromissos públicos com as cartas de direitos humanos, como o Pacto Global das Nações Unidas, incluindo estratégias específicas para a prevenção do trabalho infantil, para depois negligenciar a manutenção dos sistemas de empresas de auditoria que contratam.

No documentário Perfume's Dark Secret, do Serviço Mundial da BBC, a moradora Heba, de um vilarejo no distrito de Gharbia, no Egito, acorda sua família às 3h para começar a colher as flores de jasmim antes que o sol as danifique. Seus quatro filhos, de 5 a 15 anos, a ajudam no trabalho que, na noite em que os repórteres da BBC a filmaram, conseguiram colher 1,5 kg de jasmim. Após pagar um terço de seus ganhos ao proprietário da terra onde trabalham, ela ficou com cerca de 45 libras egípcias, o equivalente a US$ 0,94 centavos, ou R$ 5, pelo trabalho daquela noite. Seu trabalho está valendo menos do que nunca.

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Egito enfrenta a pior inflamação de sua história. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

Atualmente, o comércio egípcio do jasmim vale US$ 6,5 milhões, e o preço da flor é definido pelos proprietários das fábricas que extraem o óleo das flores de jasmim no início da temporada, que dura de junho a novembro, tornando-se um emprego regular para algumas aldeias, como a de Shubra Beloula, que vive disso desde a década de 1960. 

O preço costuma flutuar com base na demanda, mas permanece consistentemente baixo, sobretudo porque o Egito enfrenta a pior crise econômica de sua história, com níveis recordes de inflação. A libra egípcia caiu 50% em relação ao dólar americano desde janeiro de 2022.

Segundo o jornalista investigativo Ahmed Elshamy, as pessoas reclamam há anos dos preços baixos, mas as fábricas insistem em dizer que esse é o melhor preço que podem dar. Por outro lado, os preços dos perfumes dispararam no mercado global.

A esperança de Heba

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Cerca de 30 mil pessoas trabalham na indústria de jasmim do Egito. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

Heba é só mais uma das 30 mil pessoas envolvidas na indústria do jasmim no Egito vivendo abaixo da linha da pobreza. Não dá para saber quantas dessas pessoas são crianças trabalhando de forma ilegal para ajudar na produção, mas o documentário da BBC apontou que, nos quatro locais diferentes que visitaram, um número significativo de catadores de flores nas pequenas propriedades que abastecem as principais fábricas, eram crianças menores de 15 anos.

O frasco de óleo de jasmim é vendido por cerca de US$ 250 para as casas de fragrâncias internacionais onde os perfumes são criados, as empresas de perfumes, que detém todo o poder da cadeia de produção, são as responsáveis por definir o orçamento de compra. O interesse é sempre ter o óleo mais barato possível para vendê-lo pelo preço mais alto possível, e assim movimentar o moinho do corporativismo.

Enquanto isso, crianças como Basalla, de 10 anos, filha de Heba, sofre de lesões e alergias causadas pelo pólen. A mãe da menina foi informada que ela contraiu uma alergia ocular grave. Segundo o médico, se Basalla continuar pegando jasmim sem tratar a inflamação, sua visão será afetada de maneira irreversível.

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No Egito, é proibido que crianças trabalhem entre 19h e 7h. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

Aprovada em 1996, a Lei da Criança do Egito prevê exceções para que jovens entre 12 e 14 anos participem em trabalhos agrícolas sazonais, "desde que não sejam perigosos para a sua saúde e crescimento e não interfiram nos seus estudos". É também ilegal que crianças trabalhem entre 19h e 7h.

Heba disse que, com o documentário, espera que as pessoas que usam perfumes vejam a dor das crianças e que isso chegue às grandes corporações para saberem bem o tipo de trabalho que estão financiando.

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