'The Greenwich Time Lady': Ruth Belville vendia as horas no século XIX

05/07/2024 às 18:004 min de leituraAtualizado em 05/07/2024 às 18:00

Há milênios que os humanos tentam cronometrar o tempo. Demorou até meados do século XI, início da Baixa Idade Média, para que acontecesse o desenvolvimento mais sistemático da cronometria de tempo por meio dos primeiros relógios mecânicos. Em 1088, o inventor chinês Su-song construiu em Kaifeng, província de Honã, um relógio astronômico para o imperador Shenzong de Song (Zhao Xu), da China, em uma torre que possuía 40 metros de altura.

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Observações astronômicas estão entre as formas antigas mais comuns de cronometrar o tempo. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

Movido por pesos e usando engrenagens para medir intervalos de tempo, geralmente marcando as horas, o relógio se tornou um dos trabalhos mais notáveis e modernos da época. Os séculos XVII e XVIII foram marcados pelo avanço da tecnologia e a invenção de dispositivos mais precisos, como o relógio astronômico do alemão Johann Sayler, que permitia manter o tempo por até 3 meses devido a uma reserva de energia.

Por muitos séculos, a maioria das pessoas em todo o mundo vivia sem relógios, usando a luz do Sol para determinar o início e término das tarefas diárias, não considerando horas e minutos. No entanto, conforme as máquinas a vapor começaram a substituir os moinhos, inserindo o mundo na era da tecnologia de fabricação e na ascensão da indústria, a medição precisa do tempo se tornou cada vez mais importante.

Foi aí que começou a história de Ruth Belville, conhecida como The Greenwich Time Lady, a mulher que vendia as horas no século XIX.

O horário de Greenwich

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O Observatório Real de Greenwich foi criado para tentar diminuir naufrágios. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

Na verdade, tudo começou com a família Belville, mais especificamente com John Belville, pai de Ruth. No século XVII, o rei Carlos II mandou construir o Observatório Real, em Greenwich, visando reduzir naufrágios. Os marinheiros não tinham como determinar com precisão a sua posição quando não tinha terra a vista, podendo encontrar sua latitude (posição norte-sul) observando o sol ou as estrelas, mas não sua longitude (posição leste-oeste).

Uma vez que o Observatório fica no Meridiano Principal (uma linha vertical imaginária que divide o mundo em duas metades, assim como o faz o Equador horizontalmente), foi estabelecido que sempre que o relógio ajustado para Greenwich Mean Time (GMT) do Observatório passasse da meia-noite, um novo dia e contagem de horas seria iniciado. Dessa forma, os marinheiros foram capazes de estabelecer quão longe a leste ou a oeste do Meridiano Principal eles estavam ao observar o relógio e tendo a Lua como referência. Todo capitão foi instruído a carregar um relógio confiável ajustado a GMT para manter o horário Greenwich durante toda a viagem. 

Mas como os londrinos sabiam que seus relógios estavam de acordo com a hora correta? Bem, a única maneira era viajando até Greenwich, a cerca de 10,5 km de Londres, e ajustar o próprio relógio de bolso para o tempo mostrado no relógio oficial do Observatório Real.

Um negócio de família

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Ruth Belville ficou conhecida pela mídia como The Greenwich Lady (A Dama de Greenwich). (Fonte: Getty Images / Reprodução)

No início da década de 1830, John Belville era um astrônomo sênior do Observatório Real e proprietário de um relógio de bolso Arnold, um dos relógios britânicos mais famosos da época. Assim como Sir George Biddell Airy, chefe do Observatório, ele percebeu que os relojoeiros mais renomados de Londres enviavam seus assistentes todas as semanas para definir o horário GMT em seus relógios.

Cansado de ter muitas pessoas de um lado para o outro nas redondezas do Observatório, Sir. Airy criou um serviço expresso de venda de horas para relojoeiros e incumbiu John de realizá-lo. 

Em 1836, o pai de Ruth já havia se tornado uma referência em serviço de venda de horas, expandindo o negócio para incluir cidadãos particulares, como empresários do ramo da indústria. Ao longo de 20 anos, ele foi responsável por "carregar o tempo em seu bolso", até passando o negócio para sua esposa, Maria Belville.

Os relojoeiros e empresários (Fonte: Getty Images/Reprodução)
John Belville expandiu o serviço de venda de horas em 1836. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

A essa altura, o Observatório já emitia um sinal de tempo por telégrafo, mas a parcela fidelizada dos clientes de Maria evitou o novo sistema a favor de suas visitas. A mulher transportou o tempo por mais 36 anos, até se aposentar em 1892, entregando a tarefa a sua filha Ruth.

Quando a jovem assumiu, os cidadãos de Londres já dispunham de inúmeras maneiras pelas quais podiam se certificar que as horas eram precisas em seu relógios, mas a venda de hora ainda existia e era próspera. Em 1908, John Wynne, diretor da Standard Time Company, uma empresa que vendia sinais telegráficos de tempo, decidiu tentar acabar com isso.

O tiro pela culatra

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
O negócio da família de Ruth Belville tentou ser boicotado por John Wynne. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

Em discurso à prefeitura de Londres, Wynne revelou que o método de Belville estava extremamente desatualizado e era responsável pelos horários irregulares nos relógios da cidade, resultando em uma quantidade imensa de perdas financeiras. Ele descreveu os motivos e culpou os "caprichos" pela apatia exibida pelo governo, pelo conselho do condado de Londres, pela corporação da cidade e pelo público.

Inclusive, o diretor da Standard Time Company não teve papas na língua para insinuar que todo o apreço pelo trabalho de Ruth era porque ela usava de suas "artimanhas femininas", ou seja, flertava com os homens para mantê-los fiéis ao seu trabalho. Ele repreendeu os proprietários de relógios por não reconhecerem suas responsabilidades e lamentou a atitude do público em relação ao desprezo a seriedade que era o tempo.

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
A tradição de vender horas da família Belville durou 107 anos. (Fonte: Getty Images / Reprodução)

O problema é que a tentativa de Wynne em alavancar o próprio negócio minando o de Ruth, apenas a favoreceu. Todo seu discurso publicado pelo Times, acompanhado de uma longa matéria sobre como o horário irregular de Londres custava dinheiro, acabou chamando a atenção de todos aqueles que haviam recusado comprar as horas com Ruth ou que não a conheciam.

A atenção da mídia rendeu a Belville o título de The Greenwich Time Lady (A Dama do Tempo de Greenwich). Ela estampou várias publicações famosas, como o Tatler e o Evening News, gerando grande publicidade ao seu negócio, que se manteve estável até o início da Segunda Guerra Mundial, quando o conflito a impediu que saísse às ruas.

Ruth Belville morreu em 7 de dezembro de 1943, finalmente levando para o túmulo sua tradição de vender horas.

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