Artes/cultura
26/06/2020 às 14:00•3 min de leitura
A Purity Distilling Company era uma empresa química localizada em Boston, Massachusetts, especializada na produção em larga escala de etanol por meio do processo de destilação. Ela atuava como uma subsidiária da United States Industrial Alcohol Company (USIA), que a comprou em meados de 1917 para fazer remessas regulares de melaço do Caribe para a produção de álcool e fabricação de bebidas, munições e armas para a guerra.
Em 1915, assim que a Primeira Guerra Mundial elevou a demanda de álcool industrial, a empresa construiu no extremo norte de Boston, no bairro residencial North End, um gigante tanque de armazenamento. Este apresentava 8,7 mil metros cúbicos, o equivalente a 2,3 milhões de galões americanos, refletindo o lucro que o empreendimento gerava. A reserva pesava aproximadamente 13 mil toneladas, tinha 27 metros de diâmetro e estava instalada a 15 metros do chão.
O processo de produção foi apressado para que o gigantesco reservatório ficasse pronto a tempo. E isso aconteceu, só que sob circunstâncias críticas.
(Fonte: Atlas Obscura/Reprodução)
O tanque apresentou problemas desde o começo, que foram ignorados pela USIA. Assim que a guerra terminou, a empresa se concentrou na produção de álcool de grãos e seguiu sem se importar com as falhas que a estrutura apresentava.
Para os funcionários, os primeiros indícios de que algo estava errado era a alta vibração que escapava do reservatório, a ponto de ultrapassar os ruídos que o trilho do trem fazia bem próximo do local. A estrutura logo começou a descascar e,c om isso, vazar uma grande quantidade de melaço pelas ruas da cidade, deixando mais do que claro o alto risco à segurança da população.
Contudo, a empresa nada fez, mostrando-se inconsequente e criminosa — visto que a manutenção adequada resultaria na desativação de um reservatório de milhões de dólares. Então, os proprietários simplesmente contrataram pintores para colorir o tanque da mesma cor do melaço, assim era difícil notar que o produto estava escorrendo.
Enquanto quem trabalhava se preocupava com o possível desfecho daquela história, diversas crianças da vizinhança brincavam em baixo da precária estrutura e aproveitavam o doce que escorria e pingava sem parar.
(Fonte: ABC News/Reprodução)
Em 15 de janeiro de 1919, fazia uma temperatura muito amena, atípica para o inverno de Boston. A rua Commercial Street estava cheia com os sons dos trabalhadores, de cavalos e do trem passando sobre os trilhos.
Perto do tanque que pingava mais do que o normal naquela manhã, Antonio di Stasio, Maria di Stasio (a irmã do menino) e Pasquale Iantosca brincavam enquanto recolhiam lenha para levar em casa. No dia anterior, a empresa tinha recebido uma nova carga de melaço, que foi aquecida para reduzir a viscosidade e ser transferido. Com a expansão térmica do melaço antigo e frio em contato com o quente e o clima do dia, o inevitável aconteceu: os rebites da estrutura do reservatório estouraram, rompendo-o. Algumas testemunhas relataram que ouviram um rugido e sentiram o chão tremer por volta das 12h30.
Uma onda de melaço com 10 metros de altura invadiu as ruas em uma velocidade de aproximadamente 56 quilômetros por hora, varrendo tudo o que estava pela frente. O "tsunami" empurrou os painéis de aço do tanque destruído contra as vigas da estrutura do trem e conseguiu derrubar um dos comboios que passava bem no momento. Os edifícios mais próximos, como o quartel de bombeiros Engine 31, foram arrastados em escombros, e os que resistiram foram inundados até 3 metros.
As três crianças que estavam perto do tanque foram engolidas pela torrente devastadora. Maria morreu sufocada pelo líquido, Pasquale encontrou o mesmo destino quando o vagão de trem caiu sobre ele e Antonio sobreviveu, porém sofreu grave ferimento na cabeça por ser lançado contra um poste de luz. O barman Martin Clougherty, que morava a poucos metros do local, viu a própria casa desmoronar enquanto dormia. Ele acordou em uma "piscina" de melaço, então fez um barco improvisado para conseguir resgatar a irmã, Teresa, visto que sua mãe e irmão mais novo já estavam entre as vítimas.
(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)
A avalanche retrocedeu tão rapidamente quanto caiu, revelando uma faixa de 800 metros de prédios destruídos, corpos e uma lama fétida, escura. Foram contabilizados 150 feridos, 21 mortos, bem como centenas de cavalos, cães e gatos, que foram sufocados. O prejuízo de tudo isso foi de 100 milhões de dólares.
O resgate efetuado pelos bombeiros e mais de 100 marinheiros foi danoso e dramático, uma vez que o melaço se tornava areia movediça e endurecia no frio à medida que o tempo passava. As equipes de busca procuraram durante dias as vítimas e os sobreviventes.
Após o desastre, as pessoas entraram com 119 processos contra a indústria. As testemunhas alegaram que o tanque era muito fino e de má qualidade, afirmando que a estrutura não aguentava com segurança a quantidade de produto dentro dela.
(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)
Porém, os proprietários se aproveitaram do aumento na atividade terrorista de grupos anarquistas italianos, responsáveis por dezenas de atentados, e argumentaram que a ruptura foi causada por uma sabotagem. Em adição a essa tese de defesa, relataram que, em 1918, eles receberam uma série de telefonemas anônimos ameaçando destruir o tanque com dinamite.
Após 5 anos de um processo judicial que incluiu mais de 1,5 mil exposições, mil testemunhas (entre funcionários e vítimas), o auditor Hugh W. Ogden finalmente decidiu que a USIA era culpada de todas as acusações de falta de planejamento e supervisão estrutural do reservatório de melaço. A empresa foi condenada a pagar 628 mil dólares de indenização, o que corresponde a mais ou menos 3,4 milhões de reais na atual cotação.
Quando o acordo finalmente foi pago, a área afetada já havia sido recuperada após muito empenho dos moradores e dos bombeiros, porém as águas do porto de Boston ficaram poluídas pelo melaço até o verão chegar.