Artes/cultura
12/11/2020 às 15:00•4 min de leitura
Localizada na província de Kumamoto, Minamata é uma cidade japonesa que fica na costa oeste da ilha de Kyushu. Em meados de 1908, a indústria química estava em grande expansão por todo o território, por isso a Corporação Chisso – uma fábrica de produtos químicos – decidiu abrir suas portas na cidade.
Produzindo policloreto de vinila (PVC), octanol, acetileno, ácido etanoico e outros tipos de produtos, rapidamente a Chisso se tornou a fábrica de maior influência e rendimento de todo o Japão, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Como acontece com toda cidade pequena, a indústria ajudou a impulsionar a economia local de Minamata com sua grande receita tributária, sendo a responsável por 1/4 de todos os empregos dos habitantes.
Durante o período Edo, toda e qualquer cidade que se desenvolvesse economicamente ao redor das cidades-capitais governadas pelos senhores feudais da época era chamada de “cidade-castelo”, portanto foi assim que o governo japonês apelidou Minamata por causa de seu crescimento astronômico.
Por outro lado, nem todos saudavam a transformação que a indústria Chisso trouxera para a cidade, pois os despejos dos produtos químicos que ela fabricava eram lançados na Baía de Minamata através do sistema de águas residuais. O impacto ambiental desses poluentes foi sentido muito rapidamente, pois a indústria da pesca foi prejudicada com a morte de milhares de peixes por dia. Em 1926, em uma tentativa de reduzir esses danos, a fábrica estabeleceu um acordo de compensação com as cooperativas de pesca.
Em 1932, a fábrica Chisso começou a produzir aproximadamente 210 toneladas de etanal e, em 1951, eles atingiram a marca de 6 mil toneladas anuais, com um pico de produção de 45 mil toneladas na década de 1960. O etanal era produzido através da reação química causada pelo uso do sulfato de mercúrio.
Em 1951, os engenheiros químicos alteraram o cocatalisador de dióxido de manganês para sulfeto férrico, causando uma reação colateral que levou à produção de uma pequena quantidade, cerca de 5%, de metilmercúrio, um composto orgânico do mercúrio conhecido por ser altamente tóxico.
Ao longo de 17 anos, o componente nocivo fluiu do canal de drenagem da fábrica diretamente para a Baía de Minamata e foi absorvido pelos plânctons, que foram comidos por animais e estabeleceram um processo de cadeia alimentar que serviu apenas para concentrar ainda mais a neurotoxina, até que ela fosse parar na mesa de milhares de habitantes.
Foi em 21 de abril de 1956, quando uma menina de 5 anos foi hospitalizada com dificuldade para andar, falar e tendo convulsões, que o primeiro surto epidêmico de uma doença desconhecida começou. Em 1965, os gatos de rua e de estimação manifestaram um comportamento estranho: eles pulavam de um lado para o outro como se estivessem dançando e se entortavam, babando, parecendo descontrolados. Muitos deles cometeram suicídio lançando-se de lugares muito altos ou no mar.
Não demorou muito para que as pessoas adoecessem de maneira violenta. Com dores nos ouvidos, perda de equilíbrio, espasmos, descontrole ocular, dificuldades motoras (ataxia), desordens sensoriais, enxaquecas, fadiga e falta de sensibilidade (as pessoas começaram a gritar dia e noite, além de ficarem cegas e surdas). A princípio, só os pescadores e suas famílias foram afetados pela “doença misteriosa”, como o Grupo de Pesquisa da Universidade de Kumamoto denominou a patologia em 1956. Eles caracterizaram a doença como “a responsável por deformar e atrofiar o corpo humano à exaustão e de maneira irreversível”.
Em outubro daquele ano, os médicos diagnosticaram que a doença levava a convulsões graves, coma e morte em 14 dos 40 pacientes, até então com uma taxa de mortalidade de 36,7%.
Em 4 de novembro, o grupo de pesquisadores descobriu que a doença era proveniente do envenenamento por metal pesado através da ingestão de animais contaminados. Ficou definido que o produto químico era o metilmercúrio, o qual era conhecido por causar aquele tipo de desordem no sistema nervoso central.
No entanto, após anos de estudos, a especialista Ingrid Pickering, espectrocopista de raios X da Universidade de Saskatchewan, acredita que a doença não foi causada pelo metilmercúrio. “Nosso trabalho está indicando que era outra coisa, mas ainda não sabemos exatamente o que”, revelou ela. Isso porque descobriram que não havia nenhum traço do componente químico no estômago, no cérebro ou em alguma alteração celular dos gatos periciados da época. Em vez disso, eles acharam 3/4 de alfa-mercuri-acetaldeído e mercúrio inorgânico.
Suspeitando que a fábrica Chisso fosse a responsável pela origem da doença, foi feita uma investigação em tubos de drenagem e nas águas da baía. Com isso, descobriram um nível de concentração suficiente de chumbo, mercúrio, manganês, arsênio, selênio, tálio e cobre nas águas para causar um desmoronar ambiental e a morte de muitas pessoas. Apenas na foz do canal de águas residuais, eles detectaram 2 kg de mercúrio por tonelada de sedimento. Por incrível que pareça, a Chisso usou dessa pesquisa para criar uma subsidiária que recuperasse esse produto dos despejos para poder vender.
Estima-se que quase 3 mil pessoas foram infectadas com a “doença de Minamata” ou “doença dos gatos dançantes”, como ficou conhecida, e que o mercúrio tenha sido um dos fatores principais, apesar das controvérsias científicas. O acontecimento se tornou o pior desastre ambiental por contaminação de mercúrio da história, causando a morte de 1,784 pessoas. Entretanto, esses números ainda são imprecisos e misteriosos, visto que o critério do Japão para identificação das vítimas sempre foi o mais oculto possível.
As pessoas infectadas padeceram até melhorarem ou sucumbirem, uma vez que não havia cura para a doença. Os medicamentos prescritos pelos médicos serviram apenas para eliminar o componente químico da corrente sanguínea nos estágios iniciais da doença.
Em 20 de março de 1973, após 4 anos de briga judicial entre as vítimas e os familiares contra a Corporação Chisso, o juiz decidiu que a fábrica era culpada. Ela foi condenada a pagar cerca de US$ 66 mil dólares para cada sobrevivente afetado. A compensação atingiu a marca de US$ 3,4 milhões, a maior indenização já concedida por um tribunal japonês na história do país.
Na década de 1980, a Baía de Minamata foi despoluída pela Chisso e as terras ao redor foram recuperadas. Foi erguido um parque chamado Eco Park Minamata com diversos monumentos que conscientizam sobre a gravidade e o impacto da doença.
Até hoje 3 mil pessoas ainda sofrem com as sequelas do envenenamento entre os 28 mil habitantes da cidade, enquanto o protesto de ativistas e campanhas governamentais tentam sustentar a importância da preservação ambiental e de todas as vidas ao redor.