Artes/cultura
01/12/2020 às 15:00•4 min de leitura
Embora tudo tenha começado com uma discussão, o que prevaleceu foi a vontade de um provar para o outro quem estava certo. Era 1867 quando George Hull, dono de uma tabacaria em Nova York, viajou até Ackley, em Iowa (EUA), para tratar de alguns negócios para sua loja.
Muito cético e ateu, ele cruzou com o pregador metodista Reverendo Turk. E foi durante uma conversa que eles se desentenderam com relação à passagem bíblica de Gênesis 6:4: “Havia gigantes na Terra naqueles dias”. Hull disse que não passava de bobagem e que não deveria ser interpretado literalmente, mas Turk argumentou que tudo na Bíblia deveria ser levado de maneira literal.
Contrariado, Hull voltou para o hotel em que estava hospedado e continuou refletindo sobre o motivo de as pessoas acreditarem em histórias fantasiosas da Bíblia. Ele teve a “brilhante” ideia de criar um falso gigante para tentar provar sua teoria de que as pessoas estão inclinadas a acreditar em qualquer coisa pela fé. Além disso, poderia ganhar muito dinheiro com o “pensamento de rebanho” dos fiéis.
Para que pudesse dar forma a seu homem petrificado, Hull viajou no auge do verão para Fort Doge, em Iowa, e contratou alguns garimpeiros para extrair um bloco de gesso de 3 metros de altura que pesava 5 toneladas, alegando que seria para um monumento em homenagem a Abraham Lincoln em sua cidade natal.
De lá, embarcou com a peça em um trem e fez uma viagem de mais de 64 quilômetros. Hull entrou em contato com Edward Burghardt, um cortador de pedras alemão, e pediu para que ele esculpisse a pedra no formato de um homem. O negociante só aceitou guardar segredo porque Hull ofereceu uma parte de seus lucros futuros com a farsa.
Ele posou como modelo para que Burghardt e outros dois escultores dessem vida ao futuro “achado antropológico e bíblico dos séculos”. Hull gastou mais de US$ 3 mil dólares no empreendimento que levou 2 anos para ficar pronto, uma vez que ele queria perfeição nos detalhes.
O resultado foi um homem nu com um sorriso misterioso de “benevolência” deitado de costas com o braço direito agarrado à barriga, como se sentisse dor, uma perna meio torcida cruzada sobre a outra. Os escultores envelheceram a pedra com ácido sulfúrico e alfinetaram o corpo para replicar os poros da pele.
Hull pensou muito onde poderia enterrar seu gigante, chegando a percorrer vários estados. No fim das contas, decidiu sepultá-lo na fazenda de seu primo William Newell, em Cardiff, Nova York, cerca de 96 quilômetros ao norte de onde morava. O local já era famoso por ter sediado eventos de reavivamento da fé durante as reuniões do Segundo Grande Despertar, em 1790, além de ser uma área em que vários peixes e fósseis foram encontrados ao longo das décadas, principalmente depois de alegações de que Deus teria aparecido no local, segundo Joseph Smith, fundador do mormonismo. Sem que o homem soubesse, era o lugar perfeito.
Em novembro de 1868, Hull viajou de trem com seu gigante de Chicago até a estação de Cardiff e o levou para a fazenda na calada da noite. Ele deixou o primo a par de tudo e disse que avisaria qual seria o momento certo para que sua obra fantástica fosse “descoberta”.
Em 16 de outubro de 1869, um sábado, Hull avisou ao primo que era a hora, por isso Newell contratou Gideon Emmons e Henry Nichols para cavarem um poço perto do celeiro de sua propriedade, onde a alguns palmos a estátua estava enterrada. Quando encontrou o gigante, um dos homens gritou, achando que se tratava do cadáver de um indígena. Não demorou para que a notícia se espalhasse pela pequena cidade, com homens e mulheres abandonando o trabalho e correndo para o local.
A princípio, muitos acharam que poderia ser um homem petrificado pelas águas do pântano próximo. John F. Boyton, geologista e professor de Ciências, foi para a fazenda e fez os primeiros exames, declarando que o gigante não era um homem, mas sim uma estátua provavelmente esculpida por jesuítas franceses no século XVI ou XVII para impressionar os nativos americanos. Um pastor de Syracuse afirmou que o gigante era a prova da passagem bíblica em Gênesis 8:4, o que só aumentou o frenesi popular.
Em 18 de outubro, segunda-feira, após içar a estátua e colocá-la em uma cama de madeira no meio do terreno sob uma tenda, Newell já havia declarado o gigante uma importante descoberta histórica, por isso montou um sistema de visitas em que todos podiam ver o homem por 25 centavos durante 15 minutos. À medida que a procura aumentou, ele ajustou o valor para 50 centavos. No dia, mais de 500 pessoas pagaram para ver a grande farsa de pedra; no fim da semana, mais de 3 mil pessoas já tinham ido até a fazenda.
O esquema gerenciado por Hull ganhou reconhecimento nacional quando o New-York Tribune publicou uma matéria de primeira página sobre o achado. A notícia foi uma das principais no país, com a manchete “O Gigante de Cardiff”, exaltando que se tratava de algo bíblico e histórico.
Determinado a lucrar o máximo que podia com a peça antes que tudo fosse descoberto com o aumento da popularidade e de exames de especialistas, Hull fechou um acordo de US$ 30 mil com empresários em 23 de outubro de 1869. Eles transferiram o gigante de Cardiff para Syracuse, em Nova York, onde sua chegada fez o comércio e as companhias ferroviárias prosperarem ainda mais com a quantidade de turistas.
Othniel C. Marsh, um renomado paleontólogo de Yale, examinou a estátua e declarou em um jornal que ela era feita de gesso solúvel e que, se tivesse sido enterrada em seu manto de terra úmida por séculos, não teria marcas frescas de ferramentas. No entanto, muitos teólogos, pregadores e fiéis se recusaram a acreditar e defenderam a autenticidade da peça.
Mesmo com o título de “uma decidida farsa” sendo replicado por todo o país, a popularidade do Gigante de Cardiff não caiu; muito pelo contrário. O empresário PT Barnum ofereceu US$ 50 mil pela peça, mas David Hannun, um dos empresários detentores do patrimônio, recusou a oferta. Assim, Barnum confeccionou uma réplica da estátua e a colocou em exibição em seu museu em Manhattan.
A partir disso, vários “gigantes de Cardiff” começaram a surgir por todo o país como se fossem uma nova moda. Em 1901, a peça original foi exibida na Exposição Pan-Americana, evento no qual Annie Taylor anunciou que desceria as Cataratas do Niágara em um barril.
Desde 1947, a peça está em exposição no Farmers Museum, em Cooperstown, Nova York, e por muitas décadas foi inspiração e motivo de fé para milhares de pessoas, apesar de ser apenas pura invenção.