Artes/cultura
19/05/2022 às 13:00•3 min de leitura
Em 95% dos casos em que as pessoas são infectadas pelo vírus causador da poliomielite, elas não sabem que foram, tornando a doença ainda mais perigosa, devido ao seu alto nível de transmissibilidade.
A outra porcentagem pode desenvolver febre, dor de garganta, dor de estômago e sintomas semelhantes aos de gripe; mas também podem sofrer de paralisia, rigidez nas costas ou pernas e sensibilidade aumentada. Os sintomas graves, inclusive que podem levar à perda dos movimentos das pernas, costumam aumentar conforme a idade do infectado.
(Fonte: CBS News/Reprodução)
Causada pelo Poliovírus, que vive na garganta e no trato intestinal humano, a doença é disseminada por exposição a fezes infectadas devido às más práticas de saneamento ou secreções eliminadas pela boca de pessoas infectadas, e apareceu na forma de surto em meados de 1868, em Oslo, na Noruega.
Treze anos depois, vários casos foram detectados no norte da Suécia, e na mesma época surgiram relatos que a doença causava paralisia infantil e era altamente transmissível. Mas demorou até 1952 para que o mundo enfrentasse o pior surto de poliomielite, com 58 mil casos só naquele ano, dos quais 3.145 pessoas morreram e 21.259 ficaram com paralisia leve a incapacitante.
(Fonte: NBC News/Reprodução)
Com as pessoas encarando a doença como uma verdadeira praga, principalmente aqueles que moravam nas áreas urbanas e temiam a chegada dos verões, os órgãos de saúde deram início a uma corrida contra o tempo para formular uma vacina que fosse efetiva contra a poliomielite.
Em 12 de abril de 1955, após ser aprovada pelo Food And Drug Administration (FDA), mais de 200 mil crianças em cinco estados do oeste e centro-oeste americanos, receberam pela primeira vez a dose da vacina, feita através do processo de inativação do vírus vivo.
No entanto, dias depois, relatos de paralisia surgiram entre crianças vacinadas, e um mês depois, o governo abandonou a campanha de vacinação em massa quando mais de 40 mil casos de polio foram documentados, dos quais 200 deixaram graus variados de paralisia, e 10 causaram óbito.
(Fonte: National Geographic/Reprodução)
O motivo foi uma falha catastrófica na produção do imunizante, fabricado pela empresa Cutter Laboratories, especificamente no processo de inativação do vírus. A empresa acabou produzindo 120 mil doses da vacina da polio que continha o vírus vivo, não inativado.
O caso ficou conhecido como o Incidente de Cutter, um dos piores desastres farmacêuticos da história americana, com a empresa fabricante tendo que lidar com centenas de processos judiciais, tanto do Estado, quanto daqueles que tiveram suas vidas afetadas pelo erro.
As demais empresas que produziram a vacina em 1955 — Eli Lilly, Parke-Davis, Wyeth e Pitman-Moore — também encontraram dificuldade em inativar completamente o vírus naquela época, sendo que três delas acabaram processadas por isso.
(Fonte: Cincinnati Enquirer/Reprodução)
Em seu livro The Cutter Incident, o pediatra e defensor da vacinação, Paul Offit, coloca o que aconteceu com a Cutter no contexto da luta da ciência médica contra a polio e outras doenças infecciosas ao longo do século XX.
Fazendo uma análise de todo o incidente, Offit chega à conclusão de que o governo federal, através da agência reguladora de vacinas, foi o principal culpado pela tragédia. Isso porque a Cutter apresentou falta de experiência e perícia, critérios que não foram detectados pelos inspetores, acabando por causar o desastre. Isso já não aconteceu no caso das três empresas maiores que produziram a vacina de maneira segura ao inativar o vírus em formaldeído e seguindo o protocolo Vacina Poliovírus Inativada (IPV/Salk), desenvolvido por Jonas Salk.
O Incidente de Cutter levou à substituição da vacina tipo Salk pela cepa atenuada de Sabin, a VOP, imunizante composto pelos três vírus atenuados causadores da poliomielite. E, apesar de a vantagem de ser administrada por via oral e proporcionar uma "imunidade de contato", ela causou a doença em 6 a 8 crianças todos os anos entre as décadas de 1980 e 1990, porque o vírus acabava sendo reativado em sua passagem pelo intestino.
(Fonte: DW/Reprodução)
Foi por isso que a vacina Salk modificada foi reintroduzida e se tornou extremamente segura e responsável pela diminuição dos casos no mundo inteiro até hoje. O legado do Incidente de Cutter se tornou ambivalente, criando a percepção ao público de que a ciência e as vacinas eram perigosas, estando no centro de ações judiciais, fazendo o governo quase proibir uma vacina pela primeira vez na História; ao passo que também serviu para promover à efetiva regulamentação federal de imunizantes, que hoje possuem um histórico de segurança incomparável por qualquer outro tipo de produto médico.
Desde o século passado, as vacinas reduziram a incidência de doenças infecciosas que historicamente mataram centenas de milhões de pessoas, contribuindo para maior expectativa de vida, que subiu de 47 para 80 anos nos países desenvolvidos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a vacinação evita que 2 a 3 milhões de pessoas morram a cada ano. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA emitiu um relatório indicando que, entre 1994 a 2013, as vacinas evitaram 322 milhões de doenças, 21 milhões de hospitalizações e 732 mil mortes prematuras; economizando US$ 295 bilhões em custos médicos e US$ 1,38 trilhão em custos sociais.
Ainda assim, a OMS estima que 23 milhões de crianças menores de 1 ano não recebam as vacinas básicas, o maior número desde 2009. Em 2020, o número de crianças completamente não vacinadas aumentou em 3,4 milhões, refletindo os problemas de negacionismo cada vez maiores em um cenário dominado por notícias falsas e extremismo político e ideológico.