'Dr. Anônimo': o psiquiatra que mudou a concepção da homossexualidade

17/12/2022 às 04:002 min de leitura

Durante o ano de 1962, 50 estados norte-americanos consideravam crime as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Além disso, a homossexualidade estava incluída como uma doença dentro do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (o famoso DSM).

Em outras palavras, a psiquiatria americana havia definido que ser gay era uma  "perturbação psicopática da personalidade" - o que significava que o "portador" deste transtorno poderia seria institucionalizado contra a sua vontade e submetido a "curas".

É neste contexto que aparece a história do psiquiatra americano e ativista dos direitos dos homossexuais John E. Fryer. Em 1972, ele compareceu disfarçado em um evento da Associação Americana de Psiquiatria (APA) para discursar. O médico se tornou o primeiro psiquiatra a se posicionar contra o entendimento de que a homossexualidade era uma doença.

Os estragos causados pela legislação americana

(Fonte: Hypeness)(Fonte: Hypeness)

Ter uma instituição médica reconhecendo a homossexualidade como um transtorno não era apenas um detalhe. O "respaldo científico" deste diagnóstico estimulava várias práticas de discriminação contra pessoas gays, que tinham negados os seus direitos ao emprego, à cidadania, à guarda dos filhos, dentre vários outros danos.

Se ser gay era crime e doença, cabia à comunidade LGBTQIA+ apenas duas opções: ocultar sua identidade ou assumir as consequências da exposição. O doutor Fryer procurou seguir os dois caminhos: ele esteve presente em um evento da área para se posicionar contra a visão psiquiátrica da época. Mas optou por se disfarçar para evitar represálias.

O posicionamento de John E. Fryer

(Fonte: Hypeness)(Fonte: Hypeness)

Vestindo uma máscara, uma peruca e um microfone que alterava sua voz, Fryer esteve presente na conferência anual da APA em 2 de maio de 1972. Lá, ele usou o pseudônimo Dr. H. Anonymous, e abriu seu discurso dizendo: “eu sou homossexual e sou psiquiatra”. 

Em seguida, seguiu denunciando o preconceito das sociedades de psiquiatria contra seus membros e contra seus pacientes homossexuais. Mais de 100 psiquiatras homossexuais estariam presentes na plateia durante sua palestra, ocorrida em Dallas, no Texas.

No discurso, Fryer posicionou-se duramente contra a posição da APA. Ele disse: "essa é a grande perda, nossa honesta humanidade, e essa perda leva todos ao nosso redor a perder um pouco de suas humanidades também. Pois se eles estiverem confortáveis com suas homossexualidades, eles então poderão estar também com as nossas. Nós precisamos, portanto, usar nossas habilidades e sabedorias para ajudar os pacientes e a nós mesmos a estarmos confortáveis com essa parte da humanidade chamada ‘homossexualidade’".

Por consequência, no ano seguinte, a homossexualidade foi finalmente retirada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Deste modo, ser gay deixava de ser apontado como uma doença. A identidade do dr. Fryer só seria confirmada por ele mesmo em 1994. 

Mas, até sua morte, em 2003, ele seguiu trabalhando pela comunidade LGBTQIA+ e recebeu vários prêmios e homenagens. Em sua honra, a APA criou o prêmio John E. Fryer, M.D., ofertado a profissionais que fazem trabalhos que promovem a saúde mental desta camada da população.

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