Por que a insulina é tão cara nos EUA e como se tornou inacessível?

23/03/2023 às 06:513 min de leitura

A insulina é um medicamento criado há cerca de 100 anos e nós já contamos essa história aqui no Mega Curioso. Os inventores da insulina receberam o Nobel de Medicina, mas venderam as patentes para a Universidade de Toronto por 3 dólares — um para cada. Isso porque pensavam que esse medicamento, essencial à vida dos diabéticos, deveria ser acessível para todos.

Aqui no Brasil, isso é uma realidade. O medicamento é distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — custeado pelos nossos impostos, mas acessível para quem precisa. E mesmo que um diabético precise comprar doses extras em farmácias, é possível achar opções por cerca de R$ 50. 

Já nos Estados Unidos, um dos países mais ricos do mundo, esse remédio pode custar mais de US$ 300 por dose. O custo mensal pode passar dos US$ 1300 — mais que o salário mínimo no país, que é de US$ 7,25 por hora ou cerca de US$ 1250 ao mês. Sem esse dinheiro, há norte-americanos morrendo todos os dias de uma doença relativamente fácil de tratar.

Nicole Smith-Holt, por exemplo, perdeu seu filho Alec. Aos 26 anos, ele saiu do seguro-saúde dos pais. Mesmo com um bom emprego, ele precisava de mais 300 dólares para completar os 1300 do tratamento. Esperando seu salário, ele racionou o remédio que tinha até morrer. Caso vivesse no Brasil, Alec poderia recorrer ao SUS ou comprar na farmácia por preços acessíveis. 

Depois da morte do filho, Nicole se tornou uma ativista pelos direitos dos diabéticos — que pressionam as indústrias farmacêuticas a abaixarem os preços da insulina. Até porque essa medicação custa oito vezes mais nos EUA do que nos outros países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). 

Por que isso acontece? A resposta simples é: por causa de dinheiro. Mas há outros detalhes interessantes nessa discussão — e uma possível luz no fim do túnel, para os diabéticos nos Estados Unidos. 

Fonte: GettyImagesFonte: GettyImages

Um problema da indústria farmacêutica

Mas se a patente da insulina foi vendida à Universidade para que ela fosse acessível, como os laboratórios podem cobrar tanto por ela? A resposta está na indústria farmacêutica. 

Há 100 anos, o que os médicos canadenses patentearam era um processo quase primitivo de desenvolvimento da insulina a partir do pâncreas de animais. Desde os anos 1980, o remédio é desenvolvido a partir da insulina humana, com bactérias. Mas essas patentes expiram e outros laboratórios podem fazer genéricos mais baratos, não? Não necessariamente.

De tempos em tempos, os laboratórios fazem pequenas melhorias nas fórmulas, em processos de produção e outros detalhes. Assim, novas patentes vão se sobrepondo às antigas, de modo que a insulina continua na mão dos mesmos laboratórios — ao menos nos Estados Unidos, onde o investimento para aprovar os genéricos junto à FDA (Food and Drug Administration, similar à nossa Anvisa) desestimula a comercialização de opções mais baratas.

Mesmo que a gente exclua as opções genéricas, até as insulinas mais recentes, "de marca", custam cerca de R$ 200 a R$ 300, aqui no Brasil, enquanto passam dos US$ 300 nos EUA. Então, o problema vai além das patentes.

Mas também do governo e do mercado americano

Uma parte da resposta está nas leis dos EUA, que não regula os preços de remédios. Além disso, não há um órgão, como o SUS, que compre grandes quantidades de insulina a preços menores — impossibilitando cobrar mais de mil dólares por algo disponível "de graça". 

No Reino Unido, por exemplo, o NHS (sistema de saúde de lá) também compra muita insulina e determina os preços que está disposto a pagar. Os laboratórios que não aceitarem perdem um mercado gigantesco.

A total falta de regulação — que, na teoria capitalista, deveria levar à diminuição de preços pela concorrência — é prejudicial em um mercado onde a demanda é inflexível. Afinal, os diabéticos não compram insulina porque querem, mas sim porque precisam dela pra viver. Então, eles vão "raspar" suas contas bancárias, mas pagar o que os laboratórios cobram.

Além disso, mesmo que a pessoa tenha seguro-saúde, ela precisa pagar o valor integral para ser ressarcida só depois, com um desconto que depende do seguro — o que é um problema e tanto, quando a pessoa simplesmente não tem esses recursos.

Esse esquema das seguradoras é outra questão complicada, já que criou um outro mercado de intermediários que comercializam esses ressarcimentos. O resultado é que os preços só fazem subir, mesmo sem grandes melhorias nos remédios, porque isso é vantajoso para as empresas envolvidas. Tudo às custas dos pacientes, que racionam insulina e morrem.

Uma luz no fim do túnel?

Em resumo, a insulina é caríssima nos EUA porque não existe um Sistema Único de Saúde para negociar diretamente com os laboratórios, nem leis que facilitem a chegada de genéricos ou a regulação de preços de medicamentos essenciais. 

Só recentemente que alguns estados aprovaram leis para limitar o preço máximo da insulina, depois de muita pressão de ativistas — como Nicole Smith-Holt, que mencionamos no início. Há até iniciativas para a produção de insulina genérica em outros estados e alguns projetos para leis ao nível nacional. 

Como resultado, a farmacêutica Eli Lilly anunciou uma redução de 75% no preço da insulina, em março de 2023. Alguns dias depois, a NovoNordisk fez o mesmo. Junto com a francesa Sanofi, são as três empresas que dominam esse mercado nos EUA. Mas mesmo com esses 75%, essa insulina continuará mais cara por lá do que no Brasil.  

Mesmo que o SUS possa ser alvo de diversas críticas e que muitas coisas sejam mais caras no Brasil que nos Estados Unidos, pelo menos nesse aspecto estamos à frente.

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