Ciência
01/11/2023 às 14:00•3 min de leitura
O mundo quase acabou devido às armas biológicas. Só no século XX, considerado o período mais bélico da História, estima-se que mais de 500 milhões de pessoas morreram de doenças infecciosas, das quais dezenas de milhares foram devido a algum ato deliberado de bioterrorismo.
Entre novembro e dezembro de 1940, o Japão lançou bombas contendo pulgas da peste bubônica sobre as cidades de Changde e Ningbo, na China, causando a morte de mais de 2 mil pessoas – e essa nem foi a primeira vez que o exército japonês usou o país como alvo para suas experiências secretas. Esse foi apenas um ensaio do que eles visavam fazer ao lançar um ataque contra os Estados Unidos usando armamento biológico.
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Se a Segunda Guerra Mundial não tivesse terminado antes de 22 de setembro de 1945, a operação japonesa Cherry Blossoms at Night, coordenada pelo infame Shiro Ishii, a Califórnia teria sofrido com um surto da peste ao receber as bombas lançadas pelo exército japonês. É difícil mensurar o impacto que isso teria, mas, considerando que a fase teste da operação causou a morte de mais de 2 mil pessoas na China, é possível imaginar o estrago que seria em uma cidade com mais de 6 milhões de habitantes naquela época.
Mas uma arma biológica não necessariamente precisa ser usada para o mal e um exemplo disso é que Bill Gates financiou uma nova arma biológica para erradicar a malária da África.
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Djibouti é um país da África Oriental com apenas 1 milhão de habitantes e que, por décadas, sofreu com um dos maiores problemas do continente: a malária. Segundo Seth Irish, médico entomologista da Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos mais de 500 mil pessoas morrem pela doença na África, em sua maioria crianças com menos de 5 anos.
Em 2012, o governo de Djibouti notificou apenas 27 casos de malária, mas entre fevereiro e maio de 2013, o número saltou para 1228. Oito anos mais tarde, 73 mil pessoas foram diagnosticadas com a infecção. O surto foi resultado de um mosquito invasor chamado Anopheles stephensi, que chegou à África vindo do sul da Ásia e da Península Arábica pouco antes do que já é considerado um dos maiores movimentos de vetor da malária ocorridos nos últimos 50 anos.
O mosquito também foi visto no Sudão, Somália e Nigéria, e os cientistas têm certeza que ele pode estar à espreita em outros países. Um estudo de 2020 publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) alegou que, se o mosquito não for controlado, mais 126 milhões de pessoas no continente africano estarão em risco de contrair malária, sem contar que o mosquito pode levar sua ameaça para regiões ainda mais distantes do globo.
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Nos últimos anos, Bill Gates, fundador da Microsoft e uma das pessoas mais ricas do mundo, com uma fortuna avaliada em US$ 126 bilhões, se destacou por investir na saúde global. Só em 2022, ele doou US$ 5 bilhões à Fundação Bill & Melinda Gates para apoiar seu trabalho na saúde mundial, desenvolvimento, política e defesa.
Uma vez que o A. stephensi prospera em ambientes urbanos, ao contrário de outros mosquitos transmissores da malária na África, a fundação de Gates decidiu apoiar o projeto da empresa biotecnológica Oxitec, cuja proposta envolve o uso de mosquitos geneticamente modificados para combater seus próprios companheiros que carregam doenças.
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Uma vez que apenas os mosquitos fêmeas picam e espalham malária, a Oxitec incubou e criou mosquitos machos com um gene especial que impede que os filhotes fêmeas sobrevivam até a idade adulta. Ao serem liberados na natureza, eles acasalam com as fêmeas selvagens, cujos filhotes geneticamente alterados morrem. Assim, toda a progênie masculina que nascer sobreviverá e passará a acasalar com outras fêmeas selvagens, reduzindo drasticamente a população de mosquitos e, consequentemente, a propagação da malária. Depois que as liberações dos mosquitos param, porque metade dos portadores do gene (as fêmeas) não podem sobreviver, o gene modificado diminui até desaparecer da população de mosquitos.
Diante dessa inovação revolucionária, ano passado, o governo do Djibouti formou uma parceria com a Oxitec, a Association Mutualis e o Programa Nacional de Controle da Malária do Djibuti para fazer uso dessa nova tecnologia e derrotar o mosquito. Ainda nenhum mosquito da Oxitec foi lançado, pois o governo e a empresa procuram apoio do povo para lançar a iniciativa antes de tomar qualquer decisão. Até o momento, o apoio local tem sido excelente.
A Food and Drug Administration (FDA) em 2016 e a Agência de Proteção Ambiental (EPA) em 2022 confirmaram que os mosquitos da Oxitec não representam uma ameaça para os seres humanos ou para o meio ambiente. Mais de 1 bilhão de mosquitos foram liberados em todo mundo, sem impactos negativos. No Brasil, inclusive, a nova tecnologia de arma biológica já foi efetiva no combate ao mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti.