Artes/cultura
22/05/2018 às 05:02•5 min de leitura
Observação: há uma discussão quanto à grafia do nome de Vital Brazil, visto que hoje em dia, por determinação ortográfica, escrevemos Brasil com a letra S. Porém, como se trata de um nome próprio consagrado dessa maneira, decidi manter Brazil com Z na hora de me referir ao cientista.
O décimo e último capítulo da série Gênios do Brasil vai contar a história de um dos cientistas brasileiros mais famosos dos últimos tempos. Quem acompanhou a sequência de matérias vai saber que ele não é o primeiro médico imunologista da lista – muito pelo contrário, visto que já falamos de Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz e Carlos Chagas –, ainda assim, nosso personagem tem um destaque imenso e dá nome a ruas e avenidas, escolas e institutos pelo país inteiro.
O cientista que carrega sua origem geográfica no nome teve um destaque nacional e internacional pelo trabalho que realizou estudando os soros antiofídicos — ou seja, os medicamentos para tratar picadas de cobras —, além de ter pesquisado muito também outros soros antipeçonhentos contra ataques de outros animais venenosos, como aranhas e escorpiões. Foi o fundador do Instituto Butantan, existente até hoje e referência no estudo de serpentes e outros animais.
Vital tem seu primeiro nome por ter nascido no dia de São Vital de Milão e ganhou o Brazil em homenagem ao país onde nasceu, e Mineiro da Campanha pelo estado e pela cidade onde veio à luz
Vital Brazil Mineiro da Campanha nasceu em 28 de abril de 1865 na cidade de Campanha, em Minas Gerais. Você deve ter reparado que essa informação, sobre onde ele nasceu, já estava explícita em seu nome, o que é algo bastante curioso. O pai do futuro cientista, Manuel dos Santos Pereira Júnior, optou por não passar seu sobrenome de família para os filhos, mas sim nomeá-los de acordo com o local onde nasceram.
Assim, Vital tem seu primeiro nome por ter nascido no dia de São Vital de Milão e ganhou o Brazil em homenagem ao país onde nasceu (escrito assim mesmo, com Z, na época), e Mineiro da Campanha pelo estado e pela cidade onde veio à luz. Seu pai seguiu a mesma lógica com seus irmãos e os batizou com nomes como Maria Gabriela do Vale do Sapucaí, Acacia Sensitiva Indígena de Caldas e Oscar Americano de Caldas – que é pai do famoso engenheiro Oscar Americano, este, sobrinho de Vital Brazil.
O jovem Vital Brazil na época da faculdade
Não bastasse Vital Brazil ter toda a fama que tem hoje, ele apresenta parentescos importantes. Pelo lado de sua mãe, Maria Carolina Pereira de Magalhães, Vital Brazil era parente distante de Joaquim José da Silva Xavier, ninguém menos que o Tiradentes. Por parte de pai, era primo em primeiro grau de Venceslau Brás, presidente do Brasil entre 1914 e 1918. Apesar da “nobreza” de parentesco, Vital Brazil cursou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro — hoje parte da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) — com dificuldades financeiras, mas se formou em 1891 com louvor.
Muitos dos que chegavam para atendimento em caráter de emergência haviam sido picados por animais peçonhentos, em especial cobras
Trabalhou desde muito cedo, com 9 anos de idade. Mudou-se para São Paulo com 15 e lá viveu até os 21, quando rumou para o Rio de Janeiro em busca de formar-se como médico. Lá, para se sustentar durante a graduação, trabalhou como escrevente de polícia e professor, além de ter sido até condutor de bonde na Cidade Maravilhosa. Com 26 anos de idade, saiu da Faculdade de Medicina e retornou para São Paulo, mais especificamente Botucatu, onde foi atender pacientes como um médico “comum”.
Lá, pela primeira vez, Vital Brazil tomou consciência de um grave problema entre os camponeses trabalhadores das lavouras de café da região: muitos dos que chegavam para atendimento em caráter de emergência haviam sido picados por animais peçonhentos — em especial cobras, que habitam os cafezais e acabam se defendendo com picadas venenosas contra a presença dos humanos.
Vital Brasil (no centro) na época de combate às epidemias de peste bubônica e febre amarela
Uma nova etapa na carreira de Vital Brazil começou em 1892, após ter passado um período em Paris, na França. Foi quando o cientista se envolveu com o combate a doenças tropicais que assolavam as grandes cidades brasileiras, como a febre amarela, a cólera e a peste bubônica, juntamente com Oswaldo Cruz e Adolfo Lutz. Foi por meio desse último que o médico começou a trabalhar com soros antiofídicos, lembrando dos agricultores de Botucatu e do problema com as picadas de cobras.
As medidas desenvolvidas pelo médico no tratamento contra picadas de animais venenosos mudaram a maneira como a medicina cuidava de pacientes desse tipo
Vital Brazil recebeu do governo federal a doação da Fazenda Butantan, que hoje é grande parte do bairro Butantã, na cidade de São Paulo, e lá fundou o Instituto Butantan, referência mundial no desenvolvimento de soros antiofídicos. Foi lá que o imunologista fez seu maior e mais reconhecido trabalho: a especificidade dos soros contra o veneno de cobras. O médico desenvolveu antídotos específicos para cada espécie de serpente e um medicamento universal para ser usado quando não se sabe a origem da peçonha.
Não poderia ser diferente: as medidas desenvolvidas pelo médico no tratamento contra picadas de animais venenosos mudaram a maneira como a medicina cuidava de pacientes desse tipo e, obviamente, ajudaram a salvar milhares e milhares de vidas, especialmente de pessoas mais humildes e moradores de áreas rurais do país e de diversas localidades do mundo.
Lidando com as cobras do Instituto Butantan
O cientista passou, posteriormente, um período na Europa, onde frequentou diversos institutos de saúde levando seu conhecimento sobre seu trabalho, incluindo o famoso Instituto Pasteur. Ao retornar, fundou o Instituto de Higiene, Soroterapia e Veterinária em Niterói, que hoje se chama Instituto Vital Brazil, em sua homenagem. Revezou o comando desse órgão com o do Butantan em alguns momentos, mas encerrou sua carreira à frente do instituto no Rio de Janeiro.
Um comerciante italiano, em sinal de gratidão ao médico, escreveu na porta de seu estabelecimento comercial 'Avenida Vital Brazil'
Vital Brazil, antes de tudo, era um adorador do ser humano e fazia de tudo para auxiliar pessoas sem condições. Sempre que retornava, de bonde, para a sede do Instituto Butantan, parava para visitar doentes que viviam nos arredores da antiga fazenda. Um comerciante italiano, em sinal de gratidão ao médico, escreveu na porta de seu estabelecimento comercial “Avenida Vital Brazil”. Até hoje o logradouro mantém o nome, sendo atualmente uma famosa avenida, muito próxima à Universidade de São Paulo (USP), no bairro do Butantã.
Com 21 filhos, divididos entre dois casamentos, Vital Brazil deixou herdeiros de sua genialidade, todos carregando o agora sobrenome “Vital Brazil” e portando nomes exóticos como o seu. Dividiram-se entre médicos (infectologista, veterinário, psicanalista, entre outros), músicos, engenheiros, ilustradores, todos grandes profissionais em suas áreas.
Um deles, Vital Brazil Filho — o que mais seguia o rumo do pai —, ironicamente faleceu após coçar o nariz com a mão contaminada pelos microrganismos que estudava. Ele tinha apenas 32 anos e já havia participado da fundação da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, juntamente com Américo Braga.
Vital Brazil estampou a nota de 10 mil cruzeiros
Vital Brazil morreu em 8 de maio de 1950, na cidade do Rio de Janeiro, com 85 anos de idade, em sua residência na praia do Flamengo, após ter sobrevivido à peste bubônica e à febre amarela, ambas contraídas em seus tempos de luta contra as epidemias. Quem levou o cientista foi um mal chamado uremia, uma concentração muito alta de ureia no sangue, causada por motivo desconhecido.
Dele, ficou um legado gigantesco: não apenas ruas, escolas e tantos institutos que carregam seu nome, mas o trabalho que ajudou – e ainda ajuda muito – a salvar centenas de milhares de vidas no mundo todo.
Gênios do Brasil #10: Vital Brazil e o antídoto contra picadas de cobras via TecMundo