Cientista extrai o DNA de assassinos de cabelos sem raiz

20/09/2019 às 07:303 min de leitura

A imagem de um detetive coletando pontas de cigarros, fiapos de roupas e fios de cabelos povoa o imaginário popular e se transporta para a realidade forense através das modernas técnicas que extraem, dessas evidências, DNA tanto da vítima quanto do agressor. Nos dois primeiros casos, saliva e pele carregam a carga genética do corpo que as geraram; no terceiro, porém, a boa sorte tem que sorrir para o investigador na forma da raiz do cabelo: sem raiz, sem DNA.

Extrair o perfil genético de um fio quebrado era impossível – pelo menos, até um paleogeneticista da Universidade da Califórnia desenvolver uma técnica que permite recuperar e sequenciar o DNA de qualquer parte do cabelo. Ed Green é conhecido dentro da comunidade científica por seu trabalho no sequenciamento dos genes do homem de Neandertal – é dele o mérito de ter identificado, a partir de um osso de 38 mil anos, o primeiro genoma ancestral completo.

Trabalho ajudou a encerrar caso aberto em 1985

Desde meados de 2017, ele tem cooperado silenciosamente com a polícia para, usando a técnica empregada nos ancestrais do homem, extrair perfis genéticos e, assim, dar um rosto a assassinos, ajudar a solucionar crimes ainda em aberto e identificar vítimas sem nome.

Frequentemente, Green recebe (sempre em mãos) pacotes contendo cabelos achados em cenas de crimes. Alguns são de serial killers agindo há décadas, sem que a polícia consiga a menor pista sobre sua identidade; outros são de vítimas ainda sem um nome. 

Ele entrou no mundo do crime pelas mãos da genealogista genética Barbara Rae-Venter, conhecida do grande público por ter descoberto a identidade do Assassino de Golden Gate, serial killer responsável por 45 estupros e 12 assassinatos de 1979 a 1986. Em 2017, ela colaborava com a polícia de New Hampshire na identificação de uma mulher e três meninas, cujos corpos foram achados dentro de barris em um parque. Depois de décadas praticamente ao relento, tudo que poderia ter DNA já havia se degradado.

O assassinato de uma mulher e três meninas, cujos corpos foram achados em dois barris (o primeiro em 1985 e o segundo, em 2000), foi um dos mais longos casos em aberto dos EUA. (Fonte: Procuradoria do Estado de New Hampshire/Reprodução)

A solução estava na bancada do laboratório de Green, criador, em 2005, de uma técnica para extrair DNA de ossos fossilizados. Ajustar o processo para ser usado em cabelos levou cerca de um ano. Depois de terminar o trabalho com os fios dos cadáveres não identificados de New Hampshire, Green não sentiu nada de diferente – até ouvir os nomes de Marlyse Elizabeth Honeychurch e de suas duas filhas, Marie Elizabeth Vaughn e Sarah Lynn McWaters (resta ainda uma criança por identificar).

"Eu me senti como o inventor de um foguete para ir à Lua e que, depois, o vê pela TV, pousando em solo lunar", lembra ele. 

Um técnico do laboratório do paleogeneticista Ed Green examina amostras do cabelo da mulher achada em um barril em New Hampshire, depois identificada como Marlyse Elizabeth Honeychurch. (Fonte: The New York Times/James Tensuan

Uso do DNA de pessoas inocentes gera polêmica

Usar o perfil de DNA encontrado em bancos de dados genealógicos (ou seja, de parentes de criminosos), porém, suscitou controvérsia sobre a validade do método. Mesmo assim, Green espera que seu processo seja usado para o bem. A cientista forense Suzana Ryan, que recentemente enviou a ele a cabeça embalsamada de uma mulher, vítima de assassinato ainda por identificar, compartilha esse desejo.

Segundo ela, existem de 200 mil a 250 mil casos à espera de solução apenas nos EUA. Mesmo que o cabelo tenha sido coletado em apenas 10% das vezes, são 20 mil casos que podem ser resolvidos. Porém, nenhum dos dois acredita que a técnica será amplamente adotada: além de caro (o sequenciamento de apenas um fio custa milhares de dólares), o processo ainda precisa de um genealogista genético para encontrar a origem familiar do DNA.

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