Estilo de vida
20/09/2019 às 07:30•3 min de leitura
A imagem de um detetive coletando pontas de cigarros, fiapos de roupas e fios de cabelos povoa o imaginário popular e se transporta para a realidade forense através das modernas técnicas que extraem, dessas evidências, DNA tanto da vítima quanto do agressor. Nos dois primeiros casos, saliva e pele carregam a carga genética do corpo que as geraram; no terceiro, porém, a boa sorte tem que sorrir para o investigador na forma da raiz do cabelo: sem raiz, sem DNA.
Extrair o perfil genético de um fio quebrado era impossível – pelo menos, até um paleogeneticista da Universidade da Califórnia desenvolver uma técnica que permite recuperar e sequenciar o DNA de qualquer parte do cabelo. Ed Green é conhecido dentro da comunidade científica por seu trabalho no sequenciamento dos genes do homem de Neandertal – é dele o mérito de ter identificado, a partir de um osso de 38 mil anos, o primeiro genoma ancestral completo.
Desde meados de 2017, ele tem cooperado silenciosamente com a polícia para, usando a técnica empregada nos ancestrais do homem, extrair perfis genéticos e, assim, dar um rosto a assassinos, ajudar a solucionar crimes ainda em aberto e identificar vítimas sem nome.
Frequentemente, Green recebe (sempre em mãos) pacotes contendo cabelos achados em cenas de crimes. Alguns são de serial killers agindo há décadas, sem que a polícia consiga a menor pista sobre sua identidade; outros são de vítimas ainda sem um nome.
Ele entrou no mundo do crime pelas mãos da genealogista genética Barbara Rae-Venter, conhecida do grande público por ter descoberto a identidade do Assassino de Golden Gate, serial killer responsável por 45 estupros e 12 assassinatos de 1979 a 1986. Em 2017, ela colaborava com a polícia de New Hampshire na identificação de uma mulher e três meninas, cujos corpos foram achados dentro de barris em um parque. Depois de décadas praticamente ao relento, tudo que poderia ter DNA já havia se degradado.
A solução estava na bancada do laboratório de Green, criador, em 2005, de uma técnica para extrair DNA de ossos fossilizados. Ajustar o processo para ser usado em cabelos levou cerca de um ano. Depois de terminar o trabalho com os fios dos cadáveres não identificados de New Hampshire, Green não sentiu nada de diferente – até ouvir os nomes de Marlyse Elizabeth Honeychurch e de suas duas filhas, Marie Elizabeth Vaughn e Sarah Lynn McWaters (resta ainda uma criança por identificar).
"Eu me senti como o inventor de um foguete para ir à Lua e que, depois, o vê pela TV, pousando em solo lunar", lembra ele.
Usar o perfil de DNA encontrado em bancos de dados genealógicos (ou seja, de parentes de criminosos), porém, suscitou controvérsia sobre a validade do método. Mesmo assim, Green espera que seu processo seja usado para o bem. A cientista forense Suzana Ryan, que recentemente enviou a ele a cabeça embalsamada de uma mulher, vítima de assassinato ainda por identificar, compartilha esse desejo.
Segundo ela, existem de 200 mil a 250 mil casos à espera de solução apenas nos EUA. Mesmo que o cabelo tenha sido coletado em apenas 10% das vezes, são 20 mil casos que podem ser resolvidos. Porém, nenhum dos dois acredita que a técnica será amplamente adotada: além de caro (o sequenciamento de apenas um fio custa milhares de dólares), o processo ainda precisa de um genealogista genético para encontrar a origem familiar do DNA.