Ciência
25/09/2019 às 14:00•2 min de leitura
Em 20 anos, o mundo foi do declínio das doenças que mais matam e debilitam crianças a hordas de pais furiosos insurgindo-se contra uma lei que bane crianças não vacinadas das salas de aula. Ninguém — nem o gastroenterologista britânico Andrew Wakefield, autor de um estudo fraudulento ligando a vacina tríplice ao autismo — imaginaria que o planeta viveria uma moderna Revolta da Vacina.
Um surto de sarampo no estado de Nova York foi a razão da aprovação, em 13 de junho, da lei que elimina a isenção religiosa como motivo para um indivíduo não ser imunizado. Os pais só começaram a sentir o impacto no início das aulas, em 4 de setembro, quando perceberam que seus filhos não vacinados (cerca de 27 mil crianças) não poderiam frequentar a escola, a não ser que fossem vacinados.
O sentimento antivacinal existe há décadas e cresceu juntamente com a internet e sua rede de boatos e desinformação. A demonização das vacinas tem um registro histórico: 11 de setembro de 1999, quando o gastroenterologista britânico Andrew Wakefield publicou seu estudo MMR vaccination and autism na revista médica The Lance. Wakefield acabou desacreditado pela comunidade científica e perdeu sua licença.
No relatório de 2019 da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre os dez maiores riscos à saúde, a “hesitação em se vacinar” figura ao lado de doenças como ebola e HIV. Segundo a OMS, os casos de sarampo no mundo triplicaram este ano, com 360 mil notificados até julho (o triplo de 2018). No Brasil, dados mostram 3.339 casos confirmados de sarampo em 16 estados. Em São Paulo, um adulto e dois bebês morreram da doença; Pernambuco registrou a morte de uma criança. Nenhum dos quatro havia sido vacinado.
A pediatra Carolina Barbieri e a antropóloga Marcia Couto pesquisaram a antivacinação em São Paulo e descobriram que ela acontece principalmente em famílias urbanas, com renda e escolaridade médias e altas. “O primeiro fator citado foi que não se viam mais as doenças como na época dos pais ou avós. Pode parecer contraditório, mas o sucesso de imunizações no passado diminuiu o medo de ficar doente”, diz a pediatra.
Imunizar não é, segundo ela, um ato individual. “A função coletiva da vacina é proteger diretamente aquela pessoa que não pode ser imunizada, como grávidas, bebês que ainda não alcançaram a idade indicada e pessoas imunodeprimidas pelo tratamento de doenças como o câncer. Quando a cobertura contra o vírus começa a cair em uma população, a proteção cai junto. Vacinar é também um pacto social”, explica a médica.