Artes/cultura
17/04/2020 às 07:00•3 min de leitura
Talvez você nem conheça ou sequer tenha ouvido falar do caranguejo-ferradura, um artrópode que é considerado um fóssil vivo por sobreviver na Terra há 450 milhões de anos. Apesar disso, ele provavelmente faz parte da sua vida. Como? O sangue dele é um elemento extremamente precioso e fundamental na indústria farmacêutica para testar a segurança de novos medicamentos e vacinas.
Tamanha importância se traduz em milhões de dólares: o litro do sangue do caranguejo-ferradura chega a custar US$ 15 mil, cerca de R$ 79 mil. Mas o alto custo não tem interferido na coleta excessiva e, por isso, ele pode estar em perigo de extinção.
Cerca de 400 mil caranguejos são sangrados todos os anos. (Fonte: Timothy Fadek / Corbis via Getty Images)
E como o sangue azul de um caranguejo se tornou tão precioso? A resposta é: graças à pesquisa de Frederik Bang. O patologista iniciou um estudo na tentativa de entender como o sistema imunológico do animal funcionava, afinal, ele resiste há milhares de anos em nosso planeta.
Em uma série de experimentos para testar o sangue do animal e suas propriedades, Bang injetou água do mar infectada com bactérias e, depois, uma mesma injeção, mas fervida de cinco a 10 minutos, para entender como o sangue reagiria. Resultado: o sangue se acumulou em “massas rígidas” nas duas tentativas.
O patologista suspeitou, então, que essa coagulação do sangue era um mecanismo de defesa natural que protegia o corpo do caranguejo-ferradura de um patógeno invasor. Em 1956, o artigo foi publicado e ele conseguiu identificar a molécula responsável por essa defesa, a LAL (lisado de amebócitos de límulo). O que Bang descobriu ainda na década de 1950 se tornou um elemento fundamental de segurança da medicina moderna.
Com a descoberta da LAL, cientistas médicos conseguiram saber imediatamente se um medicamento seria tóxico para os humanos, bastava colocá-lo no sangue do caranguejo-ferradura.
Depois da descoberta, Bang trabalhou em parceria com Jack Levin para desenvolver um método padronizado de extração da LAL do sangue do animal.
A permissão, no final da década de 1970, para que as empresas farmacêuticas pudessem utilizar kits de LAL na testagem dos medicamentos fez com que o sangue do caranguejo ferradura ganhasse popularidade. O método é considerado muito mais eficaz e ágil: se o sangue solidificar ao entrar em contato com um medicamento, significa que ele pode ser tóxico. O processo leva minutos e acelera a liberação das novas drogas.
Mas a indústria farmacêutica produz muito e realiza muitos testes, o que significa que é necessário o uso de muito “sangue azul”. Com isso, a pesca do caranguejo-ferradura multiplicou.
Sangue é colhido em laboratório em uma espécie de "linha de montagem". (Fonte: Timothy Fadek / Corbis via Getty Images)
Para retirar o sangue, eles são limpos, colocados em uma longa linha de montagem e agulhas são inseridas em seus corpos. O litro do sangue, como já citamos, de acordo com relatório do The Atlantic, custa cerca de US$ 15 mil e os kits de LAL podem custar até US$ 1 mil a unidade.
A estimativa é de que 70 milhões de testes sejam realizados todos os anos e de que cerca de 400 mil caranguejos ferraduras sejam sangrados neste período.
A pesca para fabricação de fertilizantes, ração animal e, depois, para ser usado como isca para pescar enguias americanas e búzios, contribuiu para o declínio da população de caranguejos-ferradura, mas o uso do sangue na indústria farmacêutica tem tido grande impacto nesta queda.
De acordo com Win Watson, professor de zoologia da Universidade de New Hampshire, de 10% a 25% dos animais morrem nos dois primeiros dias após o sangramento. Isso porque 30% do sangue é coletado e, apesar de serem devolvidos à natureza, as consequências podem ser graves. Enquanto boa parte morre, as fêmeas podem ter problemas de reprodução.
Cientistas trabalham em substituto para evitar a extinção dos caranguejos ferradura. (Fonte: Timothy Fadek / Getty Images)
A projeção de especialistas é de que, neste ritmo, a população de caranguejos-ferradura tenha um declínio de 30% em 40 anos.
Para evitar as consequências disso, cientistas têm trabalhado em substitutos sintéticos. O biólogo Jeak Ling Ding conseguiu reproduzir o gene que produz o fator C, porção específica da LAL que detecta as toxinas bacterianas.
Apesar da substância ainda não ter sido aceita pela indústria farmacêutica, cientistas continuam trabalhando para que o substituto possa livrar os caranguejos-ferradura da extinção.