Artes/cultura
16/08/2020 às 09:00•2 min de leitura
Um dos personagens mais famosos da literatura brasileira, Dona Flor, a célebre cozinheira do romance do escritor baiano Jorge Amado, ficou conhecida pelo Brasil por seus dois maridos.
Mas e quando o casal tem duas esposas e um marido? Ou melhor, o "trisal"? Para a surpresa dos pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp de Rio Claro), os sapos-bode (Thoropa taophora) têm essa particularidade na vida familiar.
“É a primeira espécie de anfíbio com esse comportamento, já observado em outros grupos de vertebrados: répteis, aves e mamíferos", explica Célio Haddad, coordenador do grupo da universidade em entrevista à revista da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
A descoberta foi documentada na revista Science Advances em artigo publicado por pesquisadores brasileiros e americanos. Um achado e tanto para entender a nossa biodiversidade.
Mas o que é difícil de entender mesmo é como os pesquisadores chegaram a essa conclusão. Afinal, não deve ser fácil monitorar o "casamento" de anfíbios.
Primeiro, é preciso compreender como os sapos se reproduzem. Os machos atraem as fêmeas para poças ou filetes de água, local no qual elas depositam os ovos. Na maioria das espécies, girinos deixados em uma poça convivem com meios-irmãos apenas por parte de pai.
Em geral, há sempre uma fêmea dominante e outras que ficam de olho na poça (e no macho) para acasalar. Quando a dominante vacila, rola um novo acasalamento.
A fêmea do sapo-bode responde ao chamado do macho e deposita os ovos na água.
Com os sapos-bodes, a rotatividade de fêmeas é reduzida para duas. O sapo, após escolher as esposas, repele outras aproximações. Como o comportamento canibal de outras fêmeas é comum, o sapo-bode protege sua prole ao manter-se fiel a aquelas com quem vai reproduzir.
A combinação de ter um local difícil de acasalamento - pedras úmidas presentes na Mata Atlântica do litoral paulista - com a defesa dos girinos, pode ter desenvolvido a monogamia a três dessa espécie!
Ainda não há certeza se a relação dura uma vida inteira ou apenas os meses do período de reprodução, mas que o sapo-bode já deixou sua marca na natureza, assim como Dona Flor na literatura, disso não temos dúvida.