Artes/cultura
11/10/2020 às 08:30•2 min de leitura
Genes herdados de nossos ancestrais evolutivos podem ser a resposta para o fato de alguns indivíduos serem severamente afetados pelo Sars-CoV-19, o coronavírus responsável pela pandemia que paralisou o mundo. Segundo um estudo publicado na Nature, a forma mais grave da doença é frequentemente encontrada em portadores de variantes genéticas no cromossomo 3, uma área do nosso genoma quase idêntica à de um Neandertal de 50 mil anos do sul da França.
“É impressionante que essa herança nos traga consequências tão trágicas”, disse o geneticista evolucionário Svante Pääbo, líder da Unidade de Genômica Evolutiva Humana do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST).
Mesmo extinto há 40 mil anos, o homem de Neandertal continuou vivo através de seu DNA. Cerca de 50% da população que hoje habita o sul da Ásia e 16% dos europeus carregam essa sequência genética depois que o humano moderno saiu do continente africano em direção à Ásia e à Europa, encontrando Neandertais pelo caminho.
“Essa herança genética aumenta em três vezes as chances de o infectado necessitar de ventilação mecânica ao contrair o vírus”, explica o antropólogo evolucionista Hugo Zeberg, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva e principal autor do estudo. Foi nesse mesmo instituto que, em 2013, Pääbo anunciou o sequenciamento do genoma neandertal. Desde então, o geneticista tem rastreado os genes ancestrais pelo mundo.
A descoberta da influência dessas variantes na região do cromossomo 3 veio do trabalho da iniciativa internacional COVID-19 Host Genetics. O genoma de 3 mil infectados foi analisado; no grupo havia de assintomáticos a pacientes hospitalizados com a forma mais grave da covid-19.
Distribuição e prevalência (gráficos em pizza) das variantes genéticas de Neandertal.
A região do cromossomo 3 compreende 49,4 mil pares de bases, e existem 13 variantes que aumentam a gravidade da infecção por Sars-CoV-19. O pior: essas variantes estão fortemente ligadas, então se uma pessoa tem uma é quase certo que tenha todas.
Dois Neandertais do sul da Sibéria e um Hominídeo de Denisova não tinham essa região específica do cromossomo 3, mas um Neandertal do sul da França sim, e foi ele que passou a seus descendentes, e estes para o homem moderno, as variantes em um trecho tão longo de DNA.
Os pesquisadores ainda não sabem por que o gene neandertal está associado ao aumento do risco de infectados portadores dessa herança ancestral adoecerem mais gravemente. “Isso é algo que estamos investigando o mais rapidamente possível”, disse Pääbo.
Um pequeno osso fossilizado do pé revelou boa parte do genoma neandertal.
O homem de Neandertal deixou para o homem moderno uma herança genética que se expressa na variação fenotípica humana. Essas descobertas vieram dos estudos do projeto GTEx (Genotype-Tissue Expression ou Expressão do Genoma em Tecidos Humanos) desenvolvido desde 2010 nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) norte-americanos.
Segundo os pesquisadores do projeto, conservamos 25% do DNA neandertal, e essa parte ancestral contribui para a complexidade do genoma humano moderno e para a diversidade entre as populações. “A hibridação entre seres humanos modernos não foi apenas algo que aconteceu há 50 mil anos e com a qual não precisamos mais nos preocupar. Essas pequenas partes de DNA aqui e ali, nossas relíquias neandertais, continuam a influenciar a expressão de nossos genes de forma ubíqua e importante”, disse o biólogo evolucionário Joshua Akey, da Universidade de Princeton.
Herança neandertal aumenta a gravidade da covid-19 via TecMundo