Ciência
14/12/2020 às 07:30•2 min de leitura
O olho é um dos primeiros órgãos que se desgastam com o tempo, e foi por isso que pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard o escolheram para testar a ideia de que seria possível fazer retroceder o relógio das células. E eles o fizeram.
Matéria de capa da revista Nature, o trabalho da equipe teve como ponto de partida a pesquisa do geneticista Shinya Yamanaka, laureado com um Nobel pela identificação de quatro fatores de transcrição (Oct4, Sox2, Klf4 e c-Myc) com a capacidade de apagar “sinais” específicos nas células, fazendo elas voltarem ao seu estado embrionário primitivo.
A terapia empregada foi desenvolvida por aquele que se tornaria o principal autor do estudo: o geneticista Yuancheng Lu. O principal problema era o quanto seria possível virar os ponteiros do relógio biológico para trás, pois, sem controle, a célula poderia regredir tanto que sua função acabaria se perdendo.
Para resolver isso, Lu usou três dos genes Yamanaka (Oct4, Sox2 e Klf4, abandonando o quarto, c-Myc), levados até a retina dos olhos dos camundongos por um vírus inofensivo.
Os resultados não tardaram: o nervo óptico lesionado de um dos animais se regenerou, a perda de visão em camundongos como uma doença que emula o glaucoma humano foi revertida e ratos cegos por conta da velhice voltaram a enxergar.
Se a maioria das células do nosso corpo têm as mesmas moléculas de DNA, a diferenciação de suas funções é determinada por apenas alguns genes específicos, e determinar quais serão lidos e expressados é a função do epigenoma, um sistema, grosso modo, que liga e desliga os genes de acordo com padrões específicos, sem alterar a sequência do DNA.
Para saber qual gene ativar ou que deve ser deixado adormecido, são usados “sinais” chamados de marcadores epigenéticos, os quais são moléculas que se conectam às bases do DNA em um processo chamado de metilação (justamente porque são moléculas dos grupos metil, ou CH3 – um átomo de carbono e três átomos de hidrogênio).
Essas moléculas são como um aviso de que aquele gene não deve ser ativado – uma maneira de administrar como o DNA é usado pela célula sem alterar a sequência do genoma. Com o tempo, porém, a máquina bem azeitada começa a falhar pelo desgaste das peças: as células passam a ler os genes errados, dando origem a doenças do envelhecimento.
Os processos de metilação do DNA (ou seja, quando os grupos metil se fixam a ele) acontecem durante o desenvolvimento embrionário, produzindo a diferenciação celular. Ao envelhecer, a célula perde os padrões juvenis de metilação, e os genes que deveriam ser ativados são desativados e vice-versa (algumas dessas mudanças são previsíveis e têm sido usadas para determinar tanto a idade biológica de células como de tecidos).
Para desenvolver a terapia usada nos camundongos, os pesquisadores levantaram a hipótese de que, se a metilação do DNA realmente controla o envelhecimento, apagar alguns dos sinais poderia reverter a idade das células e dos tecidos, restaurando-os ao seu estado anterior e jovem.
“Confirmados por estudos posteriores, esses resultados poderão ser transformadores no tratamento de doenças da visão relacionadas à idade, como o glaucoma, beneficiando toda a terapêutica médica para doenças em geral”, disse um dos autores do estudo, o geneticista David Sinclair, ex-professor de doutorado de Yuancheng Lu.
Reprogramação epigenética faz células voltarem a ser jovens via TecMundo