Estilo de vida
12/04/2021 às 12:00•3 min de leitura
Foi durante o tempo em que o médico e farmacologista Heinrich Mückter foi chefe de pesquisa da empresa farmacêutica Chemie Grünenthal, na Alemanha de 1946, que ele desenvolveu um medicamento chamado talidomida. A substância é geralmente usada como sedativo, anti-inflamatório e hipnótico, porém foi comercializada em larga escala em 1957 como uma pílula contraceptiva de venda livre, um indutor de sono e remédio para enjoos matinais causados pela gravidez.
A droga foi experimentada de maneira indiscriminada por Mückter e seus colegas de profissão em prisioneiras dos campos de concentração em Buchenwald, durante o apogeu do nazismo no país. Como consequência desses testes, milhares de pacientes cobaias foram mortos devido aos efeitos adversos da talidomida.
(Fonte: The New York Times/Reprodução)
Devido ao seu poder de causar anomalias fetais, o remédio deve ser evitado durante o período de gravidez, em mulheres que estão amamentando, em período fértil ou tentando engravidar, pois pode causar má-formações ou até mesmo ausência de membros no feto. Apesar disso, em 1º de outubro de 1957, a talidomida se tornou o segundo medicamento mais vendido na Alemanha depois da Aspirina Bayer.
Além de causar defeitos congênitos em fetos, o uso da talidomida pode incitar a formação de coágulos sanguíneos excessivos, interferir na formação de vários tipos de novas células sanguíneas, anemia devido à falta de glóbulos vermelhos, danos aos nervos, problemas cardiovasculares, hipertensão pulmonar, síncope, erupções cutâneas graves, infertilidade e danos ao fígado. De acordo com o Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, cerca de 10% das pessoas que fizeram o uso da substância relataram confusão, humor deprimido, insuficiência cardíaca, tremores excessivos, formigamento, dormência, constipação, edema periférico, vômito, pele seca, febre, fraqueza e mal-estar.
(Fonte: The Softnon Babies/Reprodução)
O uso desenfreado da talidomida aconteceu depois que as autoridades médicas da Alemanha licenciaram o medicamento para a venda sem receita, permitindo que as pessoas começassem a tomá-lo para tratar uma série de doenças, como pneumonia, resfriados, gripes e, principalmente, aliviar os enjoos da gravidez.
Com a fabricante do medicamento alegando que ele era totalmente seguro, mesmo durante a gravidez, o resultado foi o de milhares de abortos espontâneos, defeitos congênitos graves em bebês e lesões nervosas. A gravidade dos casos e o local das deformidades dependiam de quantos dias de gravidez a mãe estava antes de iniciar o tratamento. De acordo com os estudos, a talidomida ingerida no 20º dia de gravidez, por exemplo, causou danos cerebrais centrais, e a partir daí danificou olhos, orelhas, rostos, braços e pernas até o 28º dia. O medicamento só não causou danos ao feto quando foi tomado após 42 dias de gestação.
Demorou vários anos para que fosse estabelecido uma conexão entre o uso da talidomida ao longo da gravidez e as milhares de crianças que nasceram deformadas.
(Fonte: Judith Johnson/Reprodução)
Em meados de 1958, o medicamento começou a ser comercializado no Reino Unido pela Distillers Company Biochemicals através do nome de Distaval, também direcionado para apaziguar os enjoos matinais das grávidas de todas as idades.
Por meio de anúncios que não possuíam nenhuma evidência científica, a empresa disparou anúncios afirmando que o Distaval poderia ser administrado com total segurança a mulheres grávidas e lactantes, sem efeitos adversos para nenhum deles, incluindo o feto. Os únicos dados que eles possuíam eram os testes de toxicidade feitos pela Grünenthal em ratos de laboratório, sendo que as doses da droga eram diferentes para os animais e costumavam ser maiores para os humanos.
Em 1960, o Dr. Alexander Leslie Florence, foi o primeiro médico a fazer críticas ao medicamento, relatando em uma carta ao BMJ Trust Source, que 4 de seus pacientes desenvolveram uma sensação de agulhamento nos pés e nas mãos. “Três pacientes que não receberam a talidomida por 2 a 3 meses apresentaram melhora acentuada em seus sintomas, embora eles ainda estejam presentes no organismo deles”, apontou Florence.
(Fonte: The Guardian/Reprodução)
No ano seguinte, o Dr. William McBride, um obstetra australiano que havia ajudado a popularizar o uso da substância por gestantes, entrou em contato com a revista The Lancet para descrever múltiplas anormalidades graves em 1 em cada 5 bebês nascidos de mulheres que tomaram o medicamento.
A partir disso, houve uma investigação federal na Alemanha a respeito do aumento de nascidos com anomalias congênitas que eram muito parecidas com as descritas pelo médico australiano. Em 26 de novembro de 1961, a Grünenthal interrompeu a distribuição nacional da talidomida, seguida pelo Reino Unido, em 2 de dezembro daquele ano.
(Fonte: The Guardian/Reprodução)
Em meados de 1962, o medicamento já era proibido na maioria dos 46 países onde foi comercializado, incluindo Austrália, Espanha e Nova Zelândia. Graças ao impedimento de Frances Kelsey do FDA, a droga não obteve muito sucesso nos Estados Unidos, muito embora cerca de 20 mil mulheres tenham ingerido, e pelo menos 17 bebês deformados terem nascido.
Acredita-se que mais de 20 mil fetos morreram no momento do nascimento ou logo após em decorrência da embriopatia causada pela talidomida, sendo que pelo menos 10 mil sobreviveram com as deformidades congênitas, desde os membros até o coração. A Thalidomide Society, no Reino Unido, chegou à conclusão que o impacto se deu também por causa do quanto o medicamento permaneceu em armários de remédios do mundo todo, mesmo após sua saída do mercado.
(Fonte: The Times/Reprodução)
O escândalo que foi o uso da talidomida se tornou o maior desastre médico de todos os tempos causado pelo homem no ramo de desenvolvimento de medicamentos. Mesmo com esse diagnóstico terrível, em 1998, o FDA aprovou o uso do medicamento para tratar a lepra, a tosse crônica da fibrose intersticial e o mieloma múltiplo.
Após o caso, as agências mundiais de regulamentação estabeleceram uma série de protocolos para o uso e comércio adequado de medicamentos, como o controle sobre a publicidade dos remédios controlados, as informações precisas sobre os potenciais efeitos colaterais, e evidências baseadas em estudos clínicos adequados sobre o comportamento do medicamento no organismo.