Os liquidadores de Chernobyl: os 700 mil civis que se sacrificaram

22/04/2021 às 12:003 min de leitura

A 1 hora, 23 minutos e 40 segundos de 26 de abril de 1986, durante um teste de segurança, Aleksandr Akimov acionou o botão do sistema de desligamento emergencial, fazendo voltar as hastes de controle ao redor do núcleo do reator 4 da usina nuclear de Chernobyl, perto da cidade de Pripyat, no norte da Ucrânia Soviética. A intenção era que as hastes diminuíssem a reação nuclear, porém, uma vez que têm pontas de grafite que aceleram a reatividade, elas fizeram a energia "pular" ainda mais devido a uma falha fatal do reator barateado RBMK desenvolvido pela União Soviética.

Cerca de 5 segundos depois, a potência aumentou vertiginosamente a níveis que o reator não conseguiu suportar, fazendo saltar as barras de controle e cápsulas do canal de combustível que pesavam mais de 350 quilos cada. Então, ocorreu primeiro uma explosão de vapor, causada pelo aumento da pressão dentro do núcleo, rompendo o escudo biológico do topo do reator, destruindo os canais de combustível e lançando grafite puro no ar.

A partir desse momento, a segunda e drástica reação química aconteceu: o oxigênio acessou o núcleo e se inflamou ao ser combinado com o hidrogênio, e o grafite ficou superaquecido, causando uma segunda explosão que culminou em uma cadeia de reação mortal e abriu um imenso buraco no prédio do reator 4 de Chernobyl, começando a lançar para os ares uma quantidade imensa de pura radiação.

Para que, em 20 de maio de 1986, os mais de 400 mineiros construíssem um sarcófago ao redor da unidade do núcleo do reator 4 para conter a radiação, primeiro foi montada uma força-tarefa que durou 10 dias, com cerca de 700 mil pessoas, para apagar os incêndios nucleares que continuavam acontecendo dentro da usina e descontaminar o perímetro. Eles foram chamados de "liquidadores".

O sacrifício

(Fonte: Rare Historical Photos/Reprodução)(Fonte: Rare Historical Photos/Reprodução)

Foi o Comitê de Proteção contra Radiação e Saúde Pública da Agência de Energia Nuclear da OCDE que definiu os milhares de homens, mulheres, bombeiros, operários, militares e voluntários como “liquidadores”. Com idades entre 18 e 22 anos, essas pessoas se sacrificaram pela limpeza ao redor do reator, a descontaminação da unidade, o controle dos incêndios nucleares, limpeza de florestas e equipamentos, eutanásia de animais, construção de estradas, bem como destruição e sepultamento de edifícios contaminados em um raio de 30 quilômetros da usina.

A operação foi considerada uma missão suicida, mas evitou que a Europa inteira se contaminasse com a constante nuvem de radiação lançada para a atmosfera. É exatamente por esse motivo que existem tantas discrepâncias e controvérsias em relação à quantidade de pessoas que se envolveram na tarefa, isso porque os dados remanescentes do governo ucraniano da época minimizaram os danos que as pessoas sofreram a curto e longo prazos com o excesso de exposição à radiação.

Contudo, acredita-se que o número chegue a 700 mil pessoas, de acordo com a Agência de Energia Nuclear da OCDE, muito embora o relatório russo do All-Union indique 293 mil liquidadores formalmente registrados.

(Fonte: Science Photo Library/Reprodução)(Fonte: Science Photo Library/Reprodução)

Segundo a Fundação Chernobyl, estima-se que 40 mil liquidadores morreram 10 anos depois que o trabalhou terminou, seja por câncer de tireoide, doenças cardíacas e problemas respiratórios ou digestivos oriundos da exposição constante à radiação sem equipamento apropriado; sendo que 70 mil deles também ficaram incapacitados neurológica ou fisicamente.

Deixados para trás

Sergey Krasilnikov. (Fonte: Research Gate/Reprodução)Sergey Krasilnikov. (Fonte: Research Gate/Reprodução)

Sergey Krasilnikov foi uma das milhares de pessoas que se sacrificaram pela usina. Em 1994, ele sofreu um derrame que o deixou paralisado do lado esquerdo do corpo e precisou de uma cadeira de rodas para se locomover. Aclamado como um herói na época, ele também foi descartado e esquecido igual aos outros. Em um prédio sem elevador, localizado em Kiev, Krasilnikov foi deixado para viver em um apartamento de dois cômodos forrado de quadros com medalhas e honras por seu mérito.

O homem chegou a fazer uma greve de fome de 53 dias para protestar contra a falta de apoio do governo às pessoas que "acabaram com a própria vida limpando a sujeira de Chernobyl", como disse em entrevista ao USA Today em 2016. Ignorado, Krasilnikov iniciou um grupo de doações com 1.586 membros, que arrecada dinheiro para os liquidadores inválidos que ainda moram em Kiev.

“Eu lembro que ser um liquidador era sinônimo de uma pessoa que resgatava a vida e que criava uma nova realidade. Nós tínhamos orgulho disso e colocamos literalmente nossas almas no trabalho”, revelou o idoso. “Mas agora eu vejo que pertencemos a uma geração que foi jogada fora. Fomos criados com a noção de que é preciso dar sua vida pelo seu país, e que a primeira coisa em que você deve pensar é na pátria”.

(Fonte: Reddit/Reprodução)(Fonte: Reddit/Reprodução)

Krasilnikov disse que a avaliação médica acusou que a paralisia e o derrame foram resultado direto do trabalho dele como liquidador. O médico deixou claro que a perda de saúde era de 100%, e que ela se degeneraria ao longo dos anos, impossibilitando que ele operasse atividades que exigissem demais dele.

“Demorou muito para que nós recebêssemos ajuda do governo para deficientes físicos, então tivemos que viver precariamente e vender tudo o que a gente tinha”, lembrou o ex-liquidador. “E vocês sabem o que o governo me deu por todo esse dano à minha saúde? O suficiente para comprar 1 quilo e meio de manteiga”. 

Sergey Krasilnikov, assim como os outros, recebeu incentivo financeiro durante o seu trabalho na usina, mas que só serviu para alimentar uma falsa ideia de cooperação para mantê-lo motivado pelo risco de ser um liquidador. Após anos avaliando os danos de Chernobyl à vida do homem, o governo determinou um auxílio de apenas US$ 200 por mês, sendo que US$ 136 da quantia seria destinada para o seu tratamento médico. Foi assim que o governo tratou os seus heróis.

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