Ciência
14/09/2021 às 02:00•4 min de leitura
Enganavam-se os proprietários das cargas que viajavam milhares de quilômetros, sobrevivendo a todo o tipo de avaria que os navios pudessem causar, e achavam que elas estariam a salvo depois que aportavam na Londres do século XIX. As encomendas ainda precisavam atravessar uma cidade que se tornou a mais populosa do mundo na época, enfrentando o engarrafamento de centenas de cavalos particulares e de bois empurrando carroças pesadas de entregas. Até que em 1820, a Londres se tornou oficialmente intransitável e, para o orgulho londrino, aquilo era um absurdo.
Richard Trevithick. (Fonte: Wikipedia/Reprodução)
A iniciativa privada dispensou a construção de outra ponte, visto que ela impediria o acesso de barcos a vela ao porto de Londres, então os empresários voltaram sua atenção para o fétido Rio Tâmisa. Por que não construir um túnel? Dessa forma, eles seriam beneficiados pela agilidade nas entregas e pelo desafogamento do fluxo, bem como poderiam lucrar gerenciando um sistema de pedágio. Além disso, o boom da Revolução Industrial estava a favor deles, com a alta demanda de carvão, bem como os métodos de trabalho e exploração primitivos.
Os engenheiros, que nunca haviam construído um túnel sob um rio importante, deparam-se com vários empecilhos: ao norte, Londres foi construída sobre um leito sólido de argila; ao sul e leste, porém, havia camadas mais profundas de areia com água, cascalho, lodo, árvores petrificadas e destroços de antigos leitos, ou seja, o resultado era um solo semilíquido e, em profundidade, muito pressurizado, podendo explodir a qualquer momento.
(Fonte: Pixels/Reprodução)
Richard Trevithick, o engenheiro-chefe do projeto do primeiro túnel, teve que elaborar a construção sem metade dos recursos de tunelização que existem atualmente. Portanto, ele aproveitou a energia do vapor para produzir o primeiro motor a vapor de alta pressão do mundo, que o ajudaria a cavar sob o Tâmisa.
No entanto, ele não demorou para perceber que não seria uma tarefa fácil. Quando os homens de Trevithick alcançaram o rio, o rascunho de túnel deles tinha apenas 1 metro e meio de altura por 1 metro de largura, com água de esgoto vazando sem parar.
(Fonte: Research Gate/Reprodução)
Com a morte pairando sobre suas cabeças de maneira quase literal, os mineiros trabalharam com o auxílio apenas de picaretas naquele espaço exíguo de terra encharcada. Eles operavam em três: enquanto um homem cavava, o segundo removia a lama e o outro escorava as paredes com pedaços de madeira.
Eles trabalhavam em turnos de 6 horas diárias, tendo que lidar com o frio e o calor, sem conseguirem ficar em pé ou se esticarem, tendo que regular a respiração de tão mal ventilado que o túnel era — sem contar o fedor que arrancava tudo o que eles tinham no estômago.
Em janeiro de 1808, eles já estavam a cerca de 40 metros da margem do Tâmisa, e Trevithick acreditava que o projeto estaria pronto em 2 semanas, quando tudo começou a desmoronar.
Os mineiros atingiram areia movediça e água em tanta quantidade que foi impossível impedir que o solo enlameado não se alagasse tão rapidamente, quase sufocando-os. Então, eles conseguiram fugir instantes antes do dilúvio.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Imaginando que os operários houvessem acertado uma depressão no leito do Tâmisa, o engenheiro providenciou sacos de argila para serem lançados aos montes no leito do rio, em uma tentativa de estancar o vazamento. A medida deu certo apenas por alguns dias até que voltasse a encher de água.
Dessa vez, porém, a Thames Archway Company, cansada de gastar dinheiro e ter seus funcionários doentes devido à exposição à água do rio, interrompeu a obra.
Marc Brunel. (Fonte: Wikipedia/Reprodução)
Em uma época em que as únicas máquinas usadas nas minas eram bombas, foi o engenheiro Marc Brunel quem percebeu que, para o túnel dar certo, seria necessária uma máquina para abrir caminho, impedir o colapso do teto e das paredes, como também remover a areia ou água no processo.
Dessa forma, ele criou a tuneladora-escudo, que tem sido usada nos últimos 180 anos para a construção segura e eficaz de túneis. Sua precursora consistia em uma grade de armações de ferro que era pressionada contra a face do túnel e apoiada em um conjunto de pranchas horizontais de madeira, denominadas "pranchas de estacas", que evitariam o colapso das paredes. As molduras foram divididas em 36 seções, cada qual com 1 metro de largura e quase 2 metros de altura, dispostas uma sobre a outra em 3 níveis.
A máquina de Brunel tinha 6 metros de altura, com um escudo coberto por placas de ferro que formavam um teto sobre os mineiros enquanto eles trabalhavam. Em vez de removerem uma porção de terra exposta, eles removiam uma placa de estaca por vez e abriam uma portinhola em forma de caixa de correio em uma profundidade predeterminada.
Quando os mineiros em uma seção terminavam de escavar toda a terra atrás dessas tábuas, as estruturas poderiam ser puxadas e a máquina se moveria com segurança enquanto os pedreiros iam escorando com tijolos o túnel recém-exposto.
(Fonte: Science Photo Library/Reprodução)
Apesar de a máquina ser revolucionária, Brunel não tinha a tecnologia nem dinheiro o suficiente para vencer o leito líquido sob o Rio Tâmisa. Muitos mineiros que continuaram na obra foram envenenados pela água poluída e contraíram doenças (desde diarreia até cegueira temporária).
Em uma última tentativa de salvar o projeto, o engenheiro despejou mais de 20 mil metros cúbicos de sacos de argila no Tâmisa nas partes em que o leito havia cedido e prejudicado seu túnel. O trabalho demorou 4 meses para ficar pronto, mas ele conseguiu abrir o túnel para acontecer um banquete para 50 convidados.
Mais tarde, milhares de visitantes puderam entrar no túnel sob o Tâmisa, que mais parecia um poço. A notícia se espalhou pelo mundo, com pessoas de vários países chegando a Londres para testemunhar a criação faraônica.
(Fonte: Wikimedia Commons/Reprodução)
Isso durou até 12 de janeiro de 1828, quando o túnel foi fechado após outra torrente de água inundá-lo e causar a morte de 6 mineiros.
Sete anos mais tarde, Brunel e seu apoiadores conseguiram convencer o governo a emprestar 246 mil euros para que o projeto "de importância nacional" fosse concluído. O túnel só surgiu no bairro Wapping, em 13 de agosto de 1841, após 6 anos de trabalho ininterrupto, em uma luta de 16 anos e 2 meses ao todo.
O túnel acabou se tornando um local de vendedores ambulantes e sem-tetos à noite, em vez de servir para encurtar o trabalho logístico do porto de Londres. O local foi comprado pela East London Railway em 1869 para facilitar o transporte de trens a vapor.
Atualmente, o túnel sob o Tâmisa faz parte da rede de metrô de Londres, em homenagem aos esforços de Trevithick e Brunel.