Artes/cultura
05/10/2021 às 13:00•3 min de leitura
Jurassic Park, filme de Steven Spielberg baseado no livro homônimo de Michael Crichton, é uma espécie de fábula moral sobre os perigos da manipulação da tecnologia pelos humanos, o fracasso da humanidade por meio disso, a influência da tecnologia na condição humana e os avanços científicos que dão errado.
O trabalho de Crichton, pioneiro no gênero moderno denominado techno-thriller, foi sempre salientar e discutir a perigosa aceitação do poder tecnológico pela humanidade sem considerar a segurança ou repercussões éticas. Isso é observado em todas as obras do autor, de The Andromeda Strain (1969) a sua série ER – Plantão Médico (1994), em que Crichton afirma que o homem não deve perder de vista sua humanidade ao lidar com a aplicação da ciência e da tecnologia, explorando os perigos de confiar nessa mesma tecnologia.
Além disso, apesar de a maioria do público que assiste Jurassic Park saírem do cinema apenas chocados com a magnitude do CGI e da produção, o filme também dá longas pinceladas sobre os perigos que a ambição humana pode oferecer, como a cegueira, acompanhada pelo egoísmo e a ganância, responsáveis por guiarem os avanços científicos.
Muito embora a história tenha um contexto distópico, alguns aspectos dela, como os mencionados acima, estão mais presentes do que nunca, e os últimos pseudodinossauros vivos da Terra, os dragões-de-Komodo, são testemunhas disso.
(Fonte: The Independent/Reprodução)
A Ilha Rinca, no Parque Nacional de Komodo, parte do arquipélago da Indonésia, é um refúgio de 1126 quilômetros quadrados de pura fauna e flora, tornado Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desde 1980 e transformado pelo governo indonésio em um ponto turístico premium.
O local deveria ser onde os dragões-de-Komodo pudessem viver para sempre sem serem incomodados pela influência humana, visto que é o único lugar na Terra que sobrou para eles, que chegaram ao arquipélago há cerca de 4 milhões de anos, vindos da Austrália.
Ao longo dos anos, os dragões se espalharam por Flores, Bornea e outras ilhas, quando os níveis de água eram mais baixos, o que permitiu conservar a sua raça — visto que, com a chegada dos primeiros aborígenes ao território australiano (através do mar do sudeste asiático entre 40 e 70 mil anos atrás), os animais começaram a ser extintos.
(Fonte: Cruising Indonesia/Reprodução)
Por muito tempo, o Parque Nacional de Komodo permaneceu livre de humanos, até que o governo indonésio o fechou aos visitantes — que nem sequer deveriam pisar no habitat dos animais — após denúncias de que uma quadrilha estava contrabandeando os lagartos da ilha. Segundo a BBC, dos 45 animais roubados, 41 foram vendidos até o momento que a matéria foi escrita.
Esse escândalo serviu apenas de pretexto para alimentar a ideia capitalista e ambiciosa das autoridades indonésias, que deram início ao processo de terraplanagem do Parque Nacional de Komodo para a construção de um mega resort turístico, com o intuito de fazer dele uma nova Balí.
(Fonte: UCA News/Reprodução)
Contas pela rede social Twitter, como a do usuário @KawanBaikKomodo, fizeram o possível para divulgar a profanação do ambiente natural pelo projeto de construção. Uma foto compartilhada pelo grupo ativista Save Komodo Now surgiu no Instagram no ano passado, causando a fúria dos ambientalistas ao capturar trabalhadores sentados no topo de um caminhão observando um dragão-de-Komodo andando pela terra revirada na zona de obra.
Como aponta a IFL Science, funcionários da UNESCO entraram em contato com o governo indonésio para afirmar que o projeto, cujos detalhes não foram divulgados, levanta a questão de como esse modelo de turismo se encaixa na visão do Estado de se afastar do turismo de massa para abordagens mais sustentáveis.
Em resposta, o Diretor-Geral de Conservação da Natureza e Ecossistemas do Ministério do Meio Ambiente da Indonésia disse, de maneira cínica, que o projeto prosseguiria, e que provava que não oferecia nenhum impacto ao habitat dos dragões.
(Fonte: The Business Times/Reprodução)
Contudo, a foto simbólica do dragão e o caminhão dividindo espaço diz o contrário. Foi por isso que a imprensa mundial apelidou o projeto indonésio de "Jurassic Park da vida real", que continua sendo desenvolvido sem informações.
“Esse tipo de desenvolvimento massivo perturba a interação dos animais. Isso mudará totalmente seu habitat”, disse Greg Afioma, membro da Save Komodo Now. Atualmente, cerca de 2 mil habitantes indígenas vivem nas ilhas de Komodo, Rinca, Padar, Nusa Kode e Gili Motag ao lado dos animais.
Como questiona a matéria da BBC: qual será o impacto desse projeto no futuro? Alguém ainda se preocupa com a preservação?