Sob pressão da caça, elefantes estão nascendo sem suas presas

29/10/2021 às 08:002 min de leitura

De acordo com um relatório compartilhado pela Nature e pelo jornal Science, elefantes do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, estão evoluindo sem suas presas como consequência da guerra civil que durou de 1977 a 1992. A adaptação, que já faz parte de 33% dos indivíduos fêmeas, surge como letal para os machos e evidencia os graves problemas da caça predatória em busca de marfim e carne, aplicada para financiar o conflito armado no período em questão.

Décadas atrás, a região de Gorongosa era habitada por cerca de 4 mil elefantes, com uma dominância de 18,5% de fêmeas nascidas sem suas presas, visto que normalmente a ausência delas ocorre em frequências de 2 a 4%, considerando todas as fêmeas de elefantes africanos. Porém, a eclosão de uma guerra civil, motivada pelos embates entre partidos políticos e por uma frágil estrutura administrativa nacional, alteraram completamente o quadro do ecossistema no país, dizimando as populações de elefantes.

Estima-se que 90% da população de elefantes em Moçambique foi massacrada por guerrilheiros de ambos os lados, que contrataram caçadores furtivos para matar os animais e retirar sua pele e marfim, visando financiar o comércio de armas e equipamentos bélicos. Tendo em vista que meio quilo de marfim custa US$ 1,5 mil (cerca de R$ 8,4 mil) e que as presas podem pesar até 250 quilos, o negócio foi amplamente aplicado pelas frentes militares.

(Fonte: Getty Images / Reprodução)(Fonte: Getty Images/Reprodução)

Como resultado proveniente das 51% das fêmeas sobreviventes à guerra, todas sem seus incisivos maciços e com 25 anos ou mais, novos indivíduos nasceram sem as presas e a adaptação acabou tornando-se uma vantagem competitiva entre as populações locais, já que esses animais — desprezados por caçadores — acabaram transferindo a característica em larga escala para seus descendentes. Hoje, 33% das 91 fêmeas nascidas após a guerra estão naturalmente sem os dentes maciços.

Adaptação fatal em machos

Segundo pesquisa da Universidade de Princeton (Estados Unidos), a característica da ausência de presas não é algo relacionado ao sexo do elefante. A descoberta apresentou conclusões após sequenciamento dos genomas de elefantes com presas e sem presas, e determinou que a tendência é uma mutação fatal para machos localizada no cromossomo X, oriunda de uma má formação no útero da mãe, que tem grandes chances de causar aborto espontâneo.

Denominados AMELX e MEP1a, os genes fatais são os principais responsáveis para a codificação do desenvolvimento de incisivos, mas o AMELX está localizado perto de genes críticos que podem matar machos caso não estejam presentes no cromossomo X. Essas mudanças ainda são inconclusivas para os cientistas, que permanecem estudando para identificar as causas genéticas reais que geram esses impactos mortais ao ecossistema.

(Fonte: Getty Images / Reprodução)(Fonte: Getty Images/Reprodução)

“Eles têm esses dados genômicos muito convincentes”, disse Chris Darimont, especialista em conservação da Universidade de Victoria, no Canadá, em entrevista à Nature. “Este é um alerta em termos de como os humanos devem enfrentar uma força evolucionária dominante no planeta.”

Característica vital para o ecossistema

As presas de elefantes, além de contribuir com a manutenção da flora local, já que indivíduos com ou sem incisivos têm alimentações distintas, são amplamente utilizadas para as tarefas diárias comuns da espécie, como cavar em busca de água ou minerais vitais no solo, descascar árvores para garantir alimento fibroso e ajudar os machos a competir pelas fêmeas. Seu desaparecimento liga um alerta importante para a comunidade, com especialistas apontando que uma mudança comportamental iminente deve implicar consequências graves para a natureza.

“Qualquer uma ou todas essas mudanças no comportamento podem resultar em mudanças na distribuição dos elefantes pela paisagem, e são essas mudanças em larga escala que têm maior probabilidade de ter consequências para o resto do ecossistema”, diz Ryan Long, ecologista comportamental da Universidade de Idaho, EUA, e explorador da National Geographic, que atualmente trabalha com sua equipe para observar a rotina de elefantes sem presas em Gorongosa.

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